Cultura machista 

A parte sadia da sociedade brasileira ficou estarrecida com as informações sobre o estupro coletivo de que foi vitima uma jovem de dezesseis anos na capital carioca. Realmente foi estarrecedor. Contudo mais chocante ainda ficaríamos se observássemos alguns “detalhes” que permeiam o caso, tanto do ponto de vista da ação policial, quanto do ponto de vista da reação de alguns, algumas mulheres inclusive, culpado a vitima pelo ocorrido.

Do ponto de vista da policia, aconteceu o, infelizmente, óbvio: “conta aí?”, “você costuma fazer isso?”, “você gostou?” inquiriu o delegado, ao lado de dois investigadores, a adolescente. Como quem busca razões para culpá-la.

Manifestações, lidas por este escriba, nas redes sociais, redigidas por mulheres iam na mesma linha. “Vocês viram como essas meninas dançam funk?” dizia uma com dezenas de curtidas em seu perfil. A outra postava uma foto e mostrava “vejam como se vestem” esta outra com mais de uma centena de curtidas.

Isso é que chamamos de “cultura machista” que busca justificar o crime de estupro. Tornando a vitima a principal culpada.

Para se ter uma idéia a jovem só fez exames de corpo de delito quatro dias depois do ocorrido em que as chances de encontrar evidências são remotíssimas. Isso ensejou, só após de várias criticas de órgãos internacionais que o Governo do RJ através da Secretaria de Segurança Pública, muito a contra gosto, trocasse a chefia da investigação, já que o “profissional” policial não demonstrava, em minha opinião, o mínimo interesse e sequer desconforto com a morosidade do processo.

Claro, que do ponto de vista estritamente jurídico, indícios carecem de comprovação fática. Mas observa-se que a lei considera como estupro tanto a conjunção carnal (penetração, ato sexual em si) como atos libidinosos.

Mas a lei é um detalhe. O fundamental é enfrentar a cultura da impunidade machista que permita que ações como esta sejam comuns.

Há cerca de um ano ocorria no município de Castelo no Piauí, um fato semelhante. Uma garota de 17 anos foi atacada por jovens, estuprada e morta, junto com outras três adolescentes. Fato estarrecedor que culminou este mês com a soltura, por decisão da justiça, de quatro criminosos. Talvez a repercussão tenha sido pequena por conta de ser um estado do nordeste e a cidade do interior. Mas o que choca é ler a sentença proferida pelo juiz Leonardo Brasileiro, responsável pelo julgamento do caso: “ não foram encontradas evidência sobre a tortura.”

E assim o Brasil dos “machos” segue.

Na Índia, onde há três anos, ação de estupro coletivo num ônibus, chocou o país e o mundo, 1,5 mulheres por cada 100.000 habitantes são vitimas deste crime. Aqui no Brasil são cerca de 30 vitimas por cada centena de milhar. Absurdo total!

Mas a cultura machista no país existe e é real. Afinal há “revolucionários” que ocupam sedes do MinC pelo país afora, reivindicando, mas cultura e coisa e tal que não podem ver uma mulher em situação de fragilidade e logo vão oferecer seus “serviços”. Sob o manto da hipocrisia cresce e se desenvolve essa cultura. Até o torturador e homofóbico confesso, o tal de Bolsonaro, resolveu se pronunciar.. Mas da direita não se pode exigir consciência e ações no sentido oposto. Na esquerda que, quando, ocorre atitudes que contradizem princípios e discursos, que cria indignação.

Quantos dirigentes, quadros e militantes usam suas funções e cargos, para assediar e forçar mulheres a “ceder”? Quantas manobras não foram e ainda são feitas para “criar” situações determinadas? Quantas vezes as vitimas sofrem descréditos por conta do seus algozes serem pessoas de poder e destaques?

Quantos dirigentes sugerem que a vitima relevem certas denuncias por conta da propalada “conjuntura” difícil? Quantas funcionárias, militantes ou não, ficam caladas por conta de represálias e constrangimentos?

É preciso enfrentar com políticas apropriadas e firmes tal “cultura”. Lutar para que as mulheres reajam, apesar de tudo, e denunciem, façam barulho, chamem a atenção e constranja os machistas que insistem em se travestir de avançados e transformadores.

E ao lado disso criar leis severas e não permitir a impunidade reinante. Eu sonho com um dia em que mulheres e homens ocupem prédios públicos e façam protestos quando se extinguir Ministérios de Mulheres e exijam políticas públicas que ajudem a combater a cultura machista reinante que a produtora e geradora de atos criminosos como esses.

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