Autocrítica

Me referi, algumas vezes, a necessidade da autocrítica petista se este partido quiser e se dispuser a re-aglutinar forças de esquerda, democráticas e populares com vistas a reconquistas de espaços institucionais importantes que permitam aplicar seu “programa” de reformas, algumas até ingênuas, dada as circunstancias postas.

Alguns militantes acham rigorosa minha cobrança, como se isso fosse algo de cunho moral e passional. Mas o que é autocrítica então? Autocrítica é um processo de auto avaliação crítica de um indivíduo, ou coletivamente de uma sociedade, de uma instituição, sobre seus próprios atos, considerando principalmente os erros que eventualmente tenha cometido e suas perspectivas de correção e aperfeiçoamento.

Não me refiro portanto a ação oportunista dos que fazem autocrítica formal apenas para ocupar espaços na mídia. O que aliás muito se viu no início de 2016, por parte de alguns dirigentes e quadros petistas, de dentro do Governo. Aliás, os ex-governadores do PT, da Bahia e do Rio Grande do Sul, são os principais exemplos daqueles que buscam expor em jornais de grandes circulações esse tipo de conduta, no afã de aplacar ou saciar a sede dos editoriais da grande mídia. Ledo engano!

Rosa Luxemburgo expôs certa vez que: “Sem dúvida, não existe outro partido para o qual a crítica livre e incansável de seus próprios defeitos seja, tanto quanto para a social-democracia, uma condição de existência. Como devemos progredir na medida da evolução social, a contínua modificação de nossos métodos de luta e, por conseguinte, a crítica incessante de nosso patrimônio teórico, representam as condições de nossa existência. Pertence, entretanto, à sua natureza, que a autocrítica em nosso partido não atinja seu objetivo de servir ao progresso, e só poderíamos nos felicitar muito se ela se move na direção de nossa luta… Qualquer crítica que contribua para tornar mais vigorosa e consciente nossa luta de classe para a realização de nosso objetivo final merece nosso agradecimento. Mas uma crítica procurando retroceder nosso movimento, fazê-lo abandonar a luta de classe e o objetivo final – uma tal crítica, longe de ser um fator de progresso, só seria um fermento de decomposição”.

A história e a realidade estão a exigir autocrítica ou ao menos uma-auto análise séria e consequente. Não oportunista e vazia! É verdade que um Partido com a natureza que o PT tem, ou seja uma organização de esquerda, mas capitalista, não entenderá a necessidade de uma autocrítica aos moldes dos comunistas. Como estes entendem, ou deveriam entender, o papel construtivo desta atitude.

Um partido que busca dirigir politicamente a luta da classe operaria e dos trabalhadores (as), a autocrítica é condição para que a construção partidária e o sucesso da própria luta. É fundamental para que a luta e a organização evoluam acompanhando as contínuas modificações da realidade e da luta de classes.

Gramsci, intelectual comunista italiano também aborda a questão, a exemplo de Vladimir IIitch Lenin e Rosa Luxemburgo, de forma categórica:

“É certo que a autocrítica se tornou uma palavra da moda. […] Mas aí está tudo: que o sucedâneo seja aplicado a sério, que a autocrítica seja ativa e “impiedosa”, porque nisto está sua eficácia maior: que deve ser impiedosa. Viu-se, no entanto, que a autocrítica pode dar origem a belíssimos discursos, a declamações sem fim e nada mais: a autocrítica foi “parlamentarizada”. Porque até agora não se observou que destruir o parlamentarismo não é tão fácil como parece. O parlamentarismo “implícito” e “tácito” é muito mais perigoso do que o explícito, porque tem todas suas deficiências sem ter seus valores positivos. Existe muitas vezes um regime de partido “tácito”, isto é, um parlamentarismo “tácito” e “implícito” onde menos se acreditaria. É evidente que não se pode abolir uma “pura” forma, como é o parlamentarismo, sem abolir radicalmente seu conteúdo, o individualismo, e isto em seu preciso significado de “apropriação individual” do lucro e da iniciativa econômica tendo em vista o lucro capitalista individual. A autocrítica hipócrita é justamente uma destas situações”.

Cabe aqui ressaltar que o termo “parlamentarismo” usado pelo autor diz respeito ao fenômeno em que os partidos socialistas e comunistas passaram a ser dirigidos em maior ou menor grau por correntes parlamentares (Deputados, Senadores, Executivos) e seus grupos. Qualquer semelhança não é mera coincidência.

A autocrítica: refere-se à capacidade interna do indivíduo de realizar uma crítica de si mesmo. Ela implica na análise de seus atos, da sua maneira de agir, dos erros cometidos e das possibilidades de realizar uma auto correção. Desta forma o sujeito (coletivo ou individuo) se aprimora. Esse mecanismo é inerente ao processo de autoconhecimento – o ser conhece a si mesmo, identifica seus pontos fortes e fracos, suas potencialidades, e a partir daí corrige os rumos de sua jornada existencial, e se aplica também a um grupo social e a uma instituição.

Esta sucessão de movimentos psíquicos/sociais, que compõe o encontro do indivíduo consigo mesmo, e que passa necessariamente pela autocrítica, é mais complexa do que parece. Normalmente as pessoas estão tão mergulhadas na rotina, e preocupadas em ver no outro os defeitos que lhe são inerentes, bem como em julgar seus semelhantes, que se esquece de voltar-se para si mesmo e realizar um exame minucioso de suas próprias atitudes. Os que se aventuram nessa caminhada interior encontram em sua trilha melindres e suscetibilidades, bloqueios e outras tantas dificuldades.

Por outro lado, há pessoas extremamente perfeccionistas que exigem demais de si mesmas, e dos outros, e assim exageram na sua auto avaliação, mergulhando fundo na autocrítica e só enxergando defeitos e sombras em seu íntimo. Enquanto os outros erram pela falta desta qualidade, estes pecam pelo seu excesso. É necessário encontrar sempre o equilíbrio nesses processos psicológicos.

Em doutrinas políticas filosóficas, como o marxismo-leninismo, a autocrítica é vista como é. Um método científico e também enquanto exercício político constante. Através deste método os socialistas/comunistas buscam a transformação da sociedade por meio da prática do Comunismo, resultado final de um desenvolvimento dialético – confronto entre tese e antítese, do qual brota a síntese, que se torna tese e dá sequência a esse processo infinito. Esta forma de abordar a realidade engloba uma constante busca da verdade e do aperfeiçoamento de uma realidade, que assim passa por um exame permanente do real – a crítica – e pela procura de uma perfeição também interior – por intermédio da autocrítica.

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