Saigon: 30 de abril de 1975

Numa pequena sala de cinema situada na Praça Roosevelt, em São Paulo, cerca de 30 estudantes da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP estavam reunidos esperando o início da sessão. O ambiente de tensão era grande naquele período de clandestinidade, em 1968.

O filme havia sido enviado ao Brasil pela Frente de Libertação Nacional vietnamita, relatando os ataques dos famigerados aviões bombardeiros B-52 estadunidenses despejando bombas e o Agente Laranja — um desfolhante que pretendia desvendar os movimentos dos guerrilheiros vietcongs nas florestas próximas da trilha Ho Chi Minh.

Várias sessões deste tipo foram realizadas divulgando a luta de libertação vietnamita e levantando a bandeira do fim da guerra. Esta era uma das diversas formas de luta pela paz que os estudantes brasileiros haviam abraçado. Assim como os protestos contra a guerra ocorriam no Brasil, em muitos outros países o movimento se espalhava e se ampliava. Especialmente nos Estados Unidos, várias Universidades se transformaram em grandes praças de luta pela Paz. Angela Davis e o beatle John Lennon, entre outros intelectuais e artistas da época, participavam ativamente da campanha pelo fim da guerra.

Enfim, o dia 30 de abril de 1975 foi emblemático, quando os tanques da resistência vietnamita cruzaram os portões do Palácio presidencial do Governo títere em Saigon colocando um fim a quase 35 anos de guerra ininterrupta em que uma pequena Nação de camponeses derrotava a potência tecnológica mais bem armada do Planeta. Na verdade, foi um golpe certeiro na política intervencionista do Estados Unidos no mundo: dos 2 milhões e 700 mil soldados americanos que passaram pelo Vietnã, 60 mil morreram e 300 mil foram feridos.

O fato concreto é que a vitória vietnamita só foi possível pela articulação da luta guerrilheira concreta do povo vietnamita nos campos de batalha do sudeste asiático com a mobilização de corações e mentes de milhões pelo mundo afora levantando bem alto a luta pela paz. Como tudo isso foi possível?

Sem dúvida foi a obra de um heroico povo que durante séculos foi capaz de resistir a inúmeras invasões de seu sagrado território. Várias incursões mongóis foram rechaçadas, tentativas no mesmo sentido perpetradas por soldados chineses da Dinastia Ming foram contidas, o processo de colonização francesa que durou mais de 80 anos foi igualmente derrotado, assim como a ocupação japonesa durante a Segunda Grande Guerra. Finalmente, a intervenção americana — que provocou a morte de milhões de vietnamitas — foi vencida.

Desde a década de 40 do século passado o líder inconteste da Revolução vietnamita assumiu seu posto de comando nas selvas do norte do Vietnã, ao lado do general Nguyen Von Giap. Ho Chi Minh foi capaz de conduzir o seu país por meio de uma concepção teórica baseada no marxismo-leninismo. Para isso, Ho teve que contraditar teoricamente o pensamento realista Eurocêntrico da era pós-Primeira Guerra Mundial. Lutou, também, contra uma tendência revisionista que predominou no movimento comunista internacional na primeira metade do século XX, que relegava a um segundo plano a luta anticolonial. Depois foi protagonista principal da Declaração de Independência do Vietnã, em 1954, em meio a profundas convulsões mundiais que mudaram a face das relações entre as nações no período pós-Segunda Guerra Mundial. O Vietnã foi a Nação que soube manter seu país unificado de norte a sul.

O tema da Guerra do Vietnã continua extremamente atual nos debates das relações internacionais. Recentemente, em seu último discurso sobre “State of the Union” (12/1/2016) diante do Congresso dos Estados Unidos, o presidente norte-americano, Barack Obama, disse que “não podemos assumir e reconstruir cada país que entre em crise. Ser líder não é isso. Isso é uma maneira garantida de cair em um atoleiro, desperdiçando sangue e dinheiro norte-americanos. Essa é a lição do Vietnã e do Iraque, e já deveríamos tê-la aprendido”. (Tradução da transcrição publicada pelo jornal The New York Times do dia 13 de janeiro de 2016)

Dessa frase do pronunciamento presidencial podemos inferir as concepções ainda vigentes no pensamento norte-americano sobre as relações exteriores dos EUA. Primeiramente, porque a ação do Exército estadunidense na Indochina se devia a outros interesses estratégicos e não a qualquer questão de ajuda “humanitária” ou a algum objetivo de cooperação internacional. E, em segundo lugar, já é de domínio público quais foram as “razões de Estado” que levaram os Estados Unidos à invasão do Iraque, com base em mentiras sobre a existência de arsenais de armas de destruição em massa naquele país, quando se sabe dos interesses geopolíticos e econômicos que levaram o então governo de George W. Bush à guerra, que custou mais de 3 trilhões de dólares e milhares de soldados norte-americanos mortos e feridos em combate.

Neste dia 30 de abril relembramos o ato vigoroso de um povo que não se dobrou diante dos maiores sacrifícios erguendo a bandeira da liberdade, da independência e da soberania nacional.

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