“Trumbo” – parte II – Final

O clima de terror urdido pelo HUAC, a mídia burguesa, os grandes estúdios, o FBI e os delatores, catalisa a população. Roach faz, assim, sua narrativa desnudar a influência da Guerra Fria não só do ponto de vista da corrida armamentista e dos conflitos político-ideológicos, mas da implacável perseguição aos comunistas. Dentre eles o casal Ethel (1915) e Julius Rosenberg (1918), acusado de repassar à URSS os segredos da bomba atômica, sendo por isso levados à cadeira elétrica, em 1953.

Contudo esta guerra nada subterrânea se estendia aos grandes estúdios. Numa conversa de início amigável, Hopper enquadra o presidente da MGM, Lazar Meir, dizendo-lhe: ”Há quarenta anos você passava fome em alguma vila judia. E (hoje os estúdios) estão infestados de traidores escondidos”. Então Meir, amedrontado, impõe junto com outros estúdios a norma: “Nenhum estúdio empregará algum membro do Partido Comunista, ou se negará a cooperar na batalha contra essa terrível ameaça”.

Muitos acusados, porém, não se submetiam aos interrogatórios. O roteirista Arlen Hurd (Louis C.K), camarada de Trumbo no CPUSA, vale-se do humor ácido para fugir às perguntas. “Gostaria de respondê-lo, mas preciso consultar meu médico, para checar se ele pode retirar minha consciência”. Diferente do ator Edward G. Robinson (Michael Stuhlbarg), que entregou Trumbo, Hurd e outros camaradas e ainda assim foi relegado à pontas nos filmes por anos.

Delação, a arma do macarthismo

Não menos entreguista, o diretor Sam Wood (John Getz), dedurou seus colegas Irving Pershal, Edward Dmitryk e Frank Tudle. Roach, no entanto, não incluiu em seu filme as polêmicas deduragens de dois ex-militantes do CPUSA: os diretores Edward Dmitryk (Rancor, 1947) e Elia Kazan (A Luz É Para Todos, 1947). Dmitryk é pouco lembrado, mas Kazan, responsável pela ruína do ator John Garfield, entre outros, recebeu o silêncio ao ser homenageado com o Oscar Especial, em 1998.

Sem dúvida as deduragens influenciavam os atos dos direitistas. Trumbo recebeu banho de refrigerante ao deixar o cinema com a família. Horror semelhante ao ocorrido no Brasil, onde a frustração e o rancor do senador Aécio Neves (PSDB), por perder a eleição presidencial de 2014, gerou uma onda de ódio. Uma das vítimas foi o cantor e escritor Chico Buarque que, por defender o PT e a presidente Dilma, foi agredido por um reacionário à saída de um restaurante no Rio de Janeiro.

Nem todos, porém, temiam as perseguições do HUAC. O ator Gregory Peck, numa declaração a um programa de rádio na época, bem sintetiza a década de Caça às Bruxas (1947/1957): “Um estado de quase histeria com os chamados “comunistas” deste país ameaça à liberdade de outros cidadãos. Esse é o trágico resultado que nos traz o Comitê Antiamericano”.

Pernell acabou na penitenciária

Como outras vítimas do entreguismo, Trumbo foi condenado, em 1950, a um ano na penitenciária de Ashland, no Kentuck, onde trabalhou no açougue e datilografou ofícios na secção administrativa. Numa das ironias das bruxas encontra Pernell a lavar o chão, devido à prisão por evasão de divisas. “Veja só, diz Pernell, nós dois presos como pássaros…” Mas Trumbo faz troça dele: “Só que você realmente cometeu crime”. Igual recompensa teve McCarthy, ao acabar desmoralizado e só.

O Trumbo que Roach faz emergir da prisão é o estrategista capaz de manter a si, seus companheiros e a própria família envolvidos na luta contra o HUAC. Seu plano é escrever o roteiro e outro roteirista o assinar, caso de “A Princesa e o Plebeu”, dirigido por William Wyler, em 1953. Surge então a corrente de roteiros sob pseudônimos, em princípio aceita pelo pequeno estúdio King Brothers, e depois por muitos outros.

Vê-se então Trumbo escrevendo compulsivamente numa banheira, criando tensão no aniversário da filha Nikola (Elle Fanning) e na conversa deles perto de um restaurante. É o encontro não de pai e filha, mas de dois militantes; ela começando, ele a ensinando a lutar contra o racismo nos anos 50.

Trumbo enterra a “Lista Negra”

A forma de Roach encadear trama e narrativa gera constante tensão, pois usa técnicas de documentário, intercalando antigos noticiários de TV e notícias de jornais em P&B, e de ficção se valendo de núcleos diferentes de ação (reuniões com os companheiros, os dirigentes de estúdio e a família). O espectador vê, enfim, ruírem os bloqueios impostos pelo macarthismo, quando Trumbo conquista o Oscar de melhor roteiro, em 1954, por “A Princesa e o Plebeu”, e a notícia corre.

A pá de cal em sua perseguição pelo HUAC foi jogada pelo ator-produtor Kirk Douglas (“Assim Estava Escrito, Vincent Minnelli, 1953) e o diretor Otto Preminger (O Homem do Braço de Ouro, 1956), que o permitiram assinar seus roteiros em “Spartacus (Stanley Kubrick, 1958), e “Êxodus (Preminger,1960). Contudo sua resistência somou-se à do jornalista Edward R. Murrow, que em seu programa “Boa Noite e Boa Sorte” (adaptado por George Clooney, em 2005), na CBS, se insurgiu contra à caça aos comunistas. E a deduragem foi derrotada.

“Trumbo”. Drama. EUA. 2015. 124 minutos. Música: Theodore Shapiro. Edição: Alan Baumgarten. Fotografia: Jim Denault. Roteiro: John McNamara, baseado no livro “Dalton Trumbo”, de Bruce Cook. Diretor: Jay Roach. Elenco: Bryan Cranston, Diane Lane, Helen Mirren, Elle Fanning.

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