Até tu, Brutus, meu filho?

Quando o general romano Caio Júlio Cesar foi cercado e assassinado a punhaladas nos idos do século I da era cristã, ele identificou o seu filho entre os conspiradores. Seu espanto e decepção foram tamanhos que a frase “até tu, Brutus, meu filho?” foi imortalizada como sinônimo de traição e ingratidão.

Dois mil anos depois esse deve ter sido o sentimento da presidenta Dilma Rousseff quando assistiu ex-ministros de seu governo (Alfredo Nascimento, Aguinaldo Ribeiro, Mauro Lopes) votando pela sua deposição e assunção ao governo central de Michel Temer e Eduardo Cunha, um denunciado e outro já réu na operação lava-jato.

Mas não seria a única decepção. Viriam outras. A presidenta ainda assistiria a bancada de 8 deputados do estado do Amazonas – 6 dos quais de partidos “aliados”: PMDB, PP, PR, PSD, PRB e PDT – votar integralmente a favor do golpe pelo qual a direita tenta lhe usurpar o mandato conquistado nas urnas. Nos governos Lula e Dilma o Amazonas sempre foi agraciado com ministros em áreas estratégicas. Teve Alfredo Nascimento (PR) nos Transportes e agora tem Eduardo Braga (PMDB) nas Minas e Energia. Sem mencionar que a presidenta prorrogou a Zona Franca de Manaus por 50 anos.

Eu senti cada voto proferido pelos deputados do Amazonas contra a presidenta Dilma Rousseff como se fosse uma punhalada nas minhas próprias costas. Um após outro, tal qual num ritual macabro, subiam ao púlpito improvisado da imolação para declarar que “em nome disso ou daquilo” estavam votando a favor do golpe contra a presidenta e, consequentemente, em favor de Temer e Eduardo Cunha.

E com o agravante de que nenhum ex-ministro ou deputado do Amazonas, assim como todos os demais 367 deputados (as) que votaram pelo golpe na Câmara dos Deputados, apresentou qualquer evidência, quanto mais prova material, de que a presidenta tivesse cometido qualquer crime de responsabilidade. Ao contrário, os ex-ministros foram generosos nos elogios ao caráter e à retidão da presidenta. Os demais deputados, de igual forma, passaram ao largo de qualquer “crime de responsabilidade”, motivados única e exclusivamente pela determinação de afastar a presidenta o quanto antes.

Assim, o julgamento – ou melhor, a inquisição – foi essencialmente político, movido pelo ódio de classe, a intolerância e a clara determinação de parar as investigações da lava-jato e suspender os programas sociais e econômicos que melhoraram a vida das camadas mais simples.

A votação teria sido uma comédia, se não tivesse se transformado numa tragédia, num golpe de usurpação ao mandato da presidenta e de afronta à democracia. O crime de responsabilidade – único fundamento legal para afastar chefes do executivo – sequer foi invocado, quanto mais sustentado, na medida em que aquela legião de celerados sabia perfeitamente que não existia. No circo armado se misturavam figuras caricatas inofensivas a fascistas e defensores da tortura como instrumento de investigação.

Se não havia qualquer menção aos crimes de responsabilidade muito menos havia qualquer reconhecimento aos feitos do governo da presidenta, até porque, tudo indica, é pelos “feitos” e não pelos “defeitos” que a presidenta está sendo impedida.

Salvo votos bem fundamentados, no geral de parlamentares de esquerda, ou de declarações corajosas dos que votaram contra o golpe, na imensa maioria dos casos os deputados se revezavam ao microfone para anunciar que em nome da “filha, da esposa, ou de sua província” votavam pelo impeachment da presidenta. Os mais cínicos chegaram mesmo a invocar o combate à corrupção para justificar o seu apoio ao golpe, sem sequer se preocuparem com o fato de que quem comandava o espetáculo era Eduardo Cunha (PMDB), dono de várias contas no exterior e réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção.

Agora a batalha se transfere para o Senado e continuará nas ruas. O movimento popular deve continuar sua pressão mobilizadora. E todos os amantes da democracia deverão envidar esforços para impedir que esse golpe articulado por Cunha/Temer se consolide.

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