“Trumbo”- Parte I, sobre militantes e delatores

Em filme sobre o roteirista estadunidense Dalton Trumbo, cineasta Jay Roach denuncia sanha direitista e oportunismo de delatores durante o macarthismo nos EUA.

Numa das sequências do desfecho deste “Trumbo” vê-se a perplexa face da colunista de cinema Hedda Hopper (Helen Mirren), após ouvir a desmontagem de sua farsa. Uma de suas vítimas, se não a principal, havia, afinal, se libertado, depois de mais de uma década de perseguição por ser comunista. Longos são os segundos de sua derrocada. Atrás de si restou a fileira de perseguidos, presos, exilados e mortos. Assim, sem diálogo ou som, o cineasta Jay Roach constrói a mais simbólica cena de seu filme.

Nela está concentrada a sanha anticomunista de Hopper (1890/1966) contra o escritor, roteirista e diretor James Dalton Trumbo (1905/1976). Durante 12 anos a ex-atriz de teatro, cujo nome real era Elda Furry, bloqueou sua contratação pelos grandes estúdios de Hollywood. Agora ele ressurgia em “Spartacus” (Stanley Kubrick, 1958), superprodução de U$ 12 milhões de dólares. Enfim a derrotou. Repórter na juventude, roteirista mais bem pago de Hollywood, desde 1943 era ativo militante do CPUSA (Partido Comunista dos Estados Unidos) e por isso muito visado por ela.

Embora o centro da narrativa seja a luta de Trumbo e de seus camaradas para escapar às garras do macarthismo, Roach e seu roteirista John McNamara a utilizam, a partir do livro homônimo de Bruce Cook, para mostrar o papel da mídia dos EUA no período em que ele foi incluído na Lista Negra, em 1948. Seu poder era imenso, além de acesso à direção dos grandes estúdios e suas estrelas, Hopper tinha programa na TV e sua coluna no jornal Los Angeles Times era republicada por 85 jornais, tendo uma audiência de milhões de pessoas/dia.

Hopper a paranoia anticomunista

Assim, ela ajudou a alimentar a paranoia anticomunista da direita estadunidense, no início da Guerra Fria (1947/1991). Esta opunha dois sistemas político-ideológicos: o comunismo, configurado pela URSS (1917/1991) e o capitalismo pelos EUA. O interesse do então presidente Harry Truman (1945/1953) era evitar o fortalecimento do movimento comunista em seu país. E os executores desta política foram o Procurador-Geral Tom Clark e o diretor do FBI, J. Edgar Hoover (1895/1972), com apoio dos senadores republicanos J.Parnell Thomas (1895/1970) e Joseph McCarthy (1908/1957). Este, por seu extremado direitismo, acabou dando nome ao movimento obscurantista nos EUA.

A forma encontrada por eles para exercerem a vigilância e incutirem o terror em escolas, universidades, órgãos governamentais, sindicatos e meios culturais, Hollywood em particular, foi criar o Comitê de Atividades Antiamericanas (HUAC), do qual Hopper fazia parte. Umas das incluídas numa das listas, a dramaturga e roteirista Lilian Hellman (Pérfida, William Wyler, 1941)), conta em seu livro “A Caça às Bruxas” (1976), que o HUAC “forneceu as listas que poderiam ser usadas contra as testemunhas”, em seus interrogatórios no Congresso estadunidense. (**)

Nesta teia nada invisível, Roach mostra as ações de Trumbo contra o HUAC, que, ao incluí-lo na “Lista Negra” como um dos 10 de Hollywood (veja lista abaixo), o proibiu de exercer sua profissão. A saída foi criar um fundo com seus camaradas para se defender da perseguição nos tribunais. Outros, como os diretores Joseph Losey (O Cúmplice das Sombras, 1951), Jules Dassin (Brutalidade, 1947) e Charles Chaplin (O Grande Ditador,1949), tiveram de se exilar. Enquanto o ator John Garfield (“O Destino Bate à Sua Porta, Tay Garnett, 1946), não suportou a pressão e sofreu um ataque cardíaco aos 39 anos, em 1952.

Parnell é saudoso dos campos nazistas

Existia na paranoia da burguesia estadunidense o temor de perder o controle de Hollywood, esteio de sua máquina de propaganda para divulgar seu sistema político-ideológico. O próprio Parnell Thomas tinha consciência disso: “Os filmes são a influência mais poderosa já criada”. E diante da expansão da URSS, a Guerra Fria era o meio de reverter as mensagens da aliança contra a Alemanha nazista, firmada entre as duas potências durante a II Guerra Mundial (1939/1945).

O macarthismo era na verdade parte de uma estratégia maior. Diante de Parnell, no Senado, em Washington, Trumbo não caiu nestas armadilhas. Não só evitou revelar ser membro do CPUSA, como afirmou ser a pergunta uma afronta à liberdade de expressão garantida pela 1ª Emenda da Constituição dos EUA. Proteção que Parnell ignorava ao ameaçar quem o ouvisse: “Então, em caso de emergência nacional todos os comunistas serão enviados a acampamentos internos”. Numa clara opção pelo horror dos campos de concentração nazistas, na época pouco revelados.

“Trumbo”. Drama. EUA. 2015. 122 minutos. Música: Theodore Shapiro. Edição: Alan Baumgarten. Fotografia: Jim Denault. Roteiro: John McNamara, baseado no livro “Dalton Trumbo”, de Bruce Cook. Diretor: Jay Roach. Elenco: Bryan Cranston, Diane Lane, Helen Mirren, Elle Fanning.

(*) Os 10 de Hollywood: Alva Bessie, roteirista, Herbert Biberman, roteirista e diretor, Lester Cole, roteirista, Edward Dmytryk, diretor, Ring Lardner Jr., roteirista, John Howard Lawson, roteirista, Albert Maltz, roteirista, Samuel Ornitz, roteirista, Adrian Scott, produtor e roteirista, Dalton Trumbo, roteirista.

(**)Hellman, Lillian, A Caça às Bruxas, pág. 6, Tradução de Tonie Thonson, Editora Francisco Alves, 1981.

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