Memórias da saga comunista (IX)

Eleito, semanas atrás, líder da bancada do PCdoB na Câmara Federal, o deputado Daniel Almeida costuma olhar para trás e dizer: “Quando deixei Mairi, no interior da Bahia, para estudar em Salvador, não sabia que me tornaria líder sindicalista, vereador e deputado. Mas sabia que não estava fadado a me acomodar”.

O parlamentar baiano está presente neste capítulo, o nono, de “Vida, paixão: veredas”, um mosaico de memórias da saga comunista no Brasil que produzi, entre 2011 e 2012 para a Fundação Maurício Grabois.

O perfil de Daniel mostra como os parlamentares do PCdoB não eclodiram do nada, a partir de interesses personalistas e conveniências de paróquia, mas da luta do povo brasileiro, todos com vasto currículo de compromisso e luta pela democracia, pela justiça social e a soberania do nosso país.

"Não estava fadado a me acomodar"

Para o coordenador da célula comunista na Companhia Bahiana de Fibras (Cobafi) aquele jovem de não mais que 25 anos que, como trabalhador qualificado, ganhava salário maior e possuía automóvel, ainda era demasiado pequeno burguês para ingressar no partido. Necessário testá-lo mais, embora o rapaz já despontasse na liderança sindical há pelo menos dois anos.

Instrumentador industrial formado pela Escola Técnica Federal da Bahia, Daniel Almeida, o “pequeno-burguês” da Cobafi, já havia passado pela Central de Manutenção de Camaçari, vinculada à Petrobrás, onde ingressara em 1977. Fora seu primeiro emprego no polo petroquímico, antes mesmo dele ser oficialmente inaugurado, em 1978. E ali Daniel já participou das reuniões e assembleias que resultaram na criação do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Química, Petroquímica, Plástica, Farmacêutica do Estado da Bahia (Sindiquímica). Mas ainda não havia, no rapaz nascido na Fazenda Caldeirão Cercado, município de Mairi, no início da Chapada Diamantina, qualquer vestígio de consciência política e ideológica.

Não tardou, porém, que seus horizontes fossem alargados por contatos e textos aos quais teve acesso, do modo subliminar como acontecia sob a ditadura militar. Um texto de Lênin sobre os sindicatos, algumas informações recebidas de um colega que, mais tarde, se revelaria militante do MR-8, e de outro, antigo preso político ligado ao PCB, e o quebra-cabeças foi sendo montado. Então leu um livro que lhe provocaria funda impressão: “A mãe”, romance do russo Máximo Gorki. Mas ao ingressar na Cobafi, no início de 1979, a rede se completou. O movimento sindical fervia. Com data-base em setembro, os têxteis iniciaram em meados do ano suas assembleias, numa das quais Daniel foi indicado para a comissão de organização da campanha salarial. E conheceu Renildo Souza, um estudante de Física que, por orientação partidária, empregara-se numa empresa têxtil para mobilizar e organizar os trabalhadores (mas Daniel não sabia disso).

O encontro com Renildo conduziu Daniel à Tribuna da Luta Operária, lançada em novembro de 1979. Conheceu o jornal e os tribuneiros, que começaram a se espalhar no meio operário. Era o início do longo processo que o conduziria ao PCdoB, dois anos depois, quando o coordenador do organismo de base da Cobafi concluiu que Daniel, afinal, ou não era um pequeno-burguês indigno de pertencer ao partido ou, tendo sido, não era mais. E foi apresentado a Luiz Caetano, então presidente do PCdoB local e futuro prefeito de Camaçari. Em 1982 Daniel elegeu-se presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Têxtil da Bahia, que ocupou por três mandatos, até 1989. Nessa condição, presidiu a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) na Bahia, quando ela foi criada, em 1986. Mais tarde, dirigiu a CUT de Salvador.

A lida sindical conduziu Daniel à Câmara Municipal de Salvador, eleito em 1988 e reeleito, sucessivamente, até 2000. Nada estranhável para um candidato que não se apartava do movimento social e para um partido, como o PCdoB, que na Bahia era mais forte que o PT. Na época das primeiras eleições de Daniel, os comunistas estavam representados por dois vereadores em Salvador, dois deputados estaduais e dois federais. E dominavam cinco ou seis dos mais importantes sindicatos do Estado. Em 2002, foi eleito para a Câmara Federal, onde cumpre seu terceiro mandato.

Casado, quatro filhos, de Daniel Almeida se diz que, na roça em que nasceu e se criou, tangeu o gado para ajudar a família, e na cidade, onde se formou, tangeu a indiferença e o individualismo para se colocar a serviços de dias melhores para sua gente. Dele, ele próprio diz: “Quando deixei Mairi, no interior da Bahia, para estudar em Salvador, não sabia que me tornaria líder sindicalista, vereador e deputado. Mas sabia que não estava fadado a me acomodar”.

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