Denúncia aos amigos no mundo: Um golpe de Estado em curso no Brasil"

No exercício da Secretaria de Relações Internacionais do PCdoB, compartilhando com o Partido dos Trabalhadores encargos do Grupo de Trabalho do Foro de São Paulo, e como editor do site Resistência [www.resistencia.cc], recebo diariamente perguntas sobre a crise política no Brasil e a luta em curso entre a democracia e o golpe. Sistematizo nesta coluna os principais temas.

A primeira questão refere-se às razões por que o governo, os partidos de esquerda e o movimento popular consideram golpe de Estado o processo de impeachment da presidenta Dilma.

Ora, a Constituição da República, aprovada em 1988 por uma Assembleia Constituinte, que funcionou na sequência da superação da ditadura, estabeleceu o impeachment como mecanismo juridicamente válido para destituir o (a) presidente da República. O pressuposto para isto é que o mandatário incorra em crime de responsabilidade. Contudo, os autores do processo de impeachment não apresentaram indícios nem provas de que a presidenta Dilma Rousseff tenha incorrido em tal crime. Acusam-na de ter falhado na execução do Orçamento governamental porque tomou medidas administrativas e financeiras extraordinárias para assegurar, num momento de restrições monetárias decorrentes das dificuldades econômicas, a realização das políticas públicas e sociais e financiar o desenvolvimento econômico. Assim, as motivações do processo de impeachment são políticas, um pretexto para, sob a envoltura de uma argumentação jurídica, derrubar a presidenta da República. A destituição da mais alta mandatária do país sem que tenha cometido crime de responsabilidade é, assim, uma forma de golpe político, golpe de Estado. Por isso dizemos – e o fazemos também como denúncia – que está em curso um golpe de Estado, um golpe que se faz por etapas, e está em plena execução.

Obviamente, distinto do de 1964, pois é outra a conjuntura mundial, assim como é diferente o contexto político nacional. São de outra natureza também os métodos. Em 1964 realizou-se um golpe militar. Agora, trata-se de um golpe institucional e midiático, em que setores do aparato policial e judicial agem em conluio com a oposição neoliberal e conservadora.

São também recorrentes as indagações sobre as origens da crise política. De uma perspectiva mais imediata, elas radicam no fato de a oposição neoliberal e conservadora, representada pelos partidos da direita contemporânea, liderada pelo PSDB, que tem suas ramificações na mídia monopolista privada, em setores do aparato policial e judiciário, não ter aceitado a derrota pela quarta vez consecutiva, nas últimas eleições presidenciais de outubro de 2014. Essa oposição imaginava que conseguiria naquelas eleições interromper o ciclo progressista inaugurado no país com a primeira eleição de Lula, em 2002, que, malgrado as lacunas, fez com que o país avançasse na realização de importantes mudanças políticas e sociais, no exercício da solidariedade internacional e na construção de uma América Latina independente. Vista de uma perspectiva mais larga, a crise política atual é também a expressão das contradições estruturais e dos conflitos de fundo da sociedade brasileira. É a expressão de uma luta entre dois caminhos, da encruzilhada histórica do país. O caminho que pode levar o Brasil a se afirmar como nação democrática, independente e socialmente justa, em antagonismo ao que conduz à manutenção dos privilégios das classes dominantes, da dependência aos potentados internacionais, ao subdesenvolvimento e vigência de um poder político antidemocrático.

Não são poucos os nossos interlocutores que, mesmo aceitando a nossa argumentação, insistem em dizer que a corrupção é uma realidade no Brasil e atinge as forças políticas do governo.
Efetivamente. A corrupção está entre os males estruturais do sistema político, uma enfermidade crônica, para cujo combate é necessária uma postura revolucionariamente ética das forças progressistas no exercício do governo, além de uma posição política, administrativa e judicial enérgica. É preciso dizer que, independentemente dos erros que se tenham cometido, foi durante o período de governo do Partido dos Trabalhadores (PT) que os órgãos de fiscalização, controle e combate à corrupção mais funcionaram, e com plena autonomia. Os partidos golpistas são os maiores corruptos do sistema político do país. A luta contra a corrupção feita por eles é uma bandeira esfarrapada. É uma luta instrumentalizada com fins políticos.

Os questionamentos se tornam mais complexos quando se referem às contradições políticas no âmbito da aliança governamental, sobretudo tendo em conta a ruptura do PMDB. Uma realidade ainda mais intricada em face das dificuldades do governo em concertar novas alianças.

Se observarmos bem, há muito tempo, o PMDB não é uma força progressista. Sua presença no governo obedece aos imperativos de conveniências políticas – estar próximo do poder para obter vantagens e melhores condições para desenvolver políticas de clientela. Coisas do sistema político-partidário brasileiro, ainda precariamente sedimentado do ponto de vista político-ideológico. O PMDB tem em seu interior uma forte ala de centro-direita, que no momento é prevalecente. Para evitar o impeachment, o governo além de se apoiar na força do povo nas ruas e numa miríade de manifestações que têm ocorrido de setores organizados da população, desde as massas trabalhadoras, profissionais liberais, intelectualidade acadêmica, mundo cultural-artístico, meios jurídicos e desportistas, terá que contar também, no âmbito estritamente parlamentar, com o respaldo de micropartidos e em parlamentares individuais, independentemente da posição de seus partidos.

Na verdade, as agremiações partidárias centristas perderam todo o elo com o progressismo e a esquerda, haja vista o que acaba de ocorrer com o PSB, que aderiu oficialmente, pelo pronunciamento de sua cúpula e maioria, à intentona golpista.

Em face de tudo isso, somos confrontados a nos pronunciar sobre os cenários possíveis. Caso o governo vença a batalha, será necessário promover uma repactuação política, cujo pressuposto será a mobilização popular e a união das forças democráticas e progressistas, a partir de um programa de emergência, voltado para superar a crise econômica e impedir que seus efeitos atinjam os direitos e conquistas do povo.

Se, porém, a presidenta for deposta, o governo que emergirá, eventualmente sob a liderança do vice-presidente da República, Michel Temer, que é também o presidente do PMDB, a instabilidade política se agravará. Será um governo de traição nacional, com tendências autoritárias, malgrado a fachada de constitucionalista que Michel Temer exibe; governo antipopular, comprometido com uma agenda elaborada segundo o figurino do capital monopolista-financeiro nacional e internacional. Por óbvio, haverá uma luta aberta, uma oposição enérgica por parte do PT, do PCdoB, demais partidos progressistas e do movimento social contra essas forças golpistas que formarem o governo. Em qualquer cenário, o Brasil viverá momentos tempestuosos, que exigirão lucidez, descortino, amplitude e espírito de resistência e luta dos partidos de esquerda.

O Brasil vive há tempos uma situação paradoxal, em que há quatro eleições consecutivas a esquerda vence as eleições presidenciais, mas não forma maioria nas casas legislativas. Isto é o reflexo de uma correlação de forças ainda bastante desfavorável para as forças progressistas e é revelador do enorme poder político das classes dominantes. É preciso lembrar que o Brasil é uma República federativa, e os poderes oligárquicos são ainda muito fortes nas unidades (estados) que compõem a Federação. Outrossim, é preciso acentuar que os poderes econômicos exercem forte influência nas campanhas eleitorais. O financiamento das campanhas eleitorais é privado e empresarial. Aliás, esta é uma das fontes da corrupção.

Isto nos remete à questão da reforma do sistema político, como uma das reformas estruturais indispensáveis e urgentes. Não se reuniram ainda forças nem convicções para fazê-la. Mas é evidente que o sistema político atual faliu e já não serve à luta democrática e social das forças progressistas. Reformar o sistema político é uma das tarefas mais exigentes e urgentes para alcançar a mais ampla e profunda democratização do Brasil.

O Brasil vive uma situação política exigente. Os partidos de esquerda, as forças progressistas, os movimentos sociais seguem respaldando o governo da presidenta Dilma, rechaçam o golpe, empenham-se pelo êxito das manifestações populares em defesa da democracia e estão imersos numa intensa atividade política no âmbito das casas legislativas para evitar o impeachment. A batalha política em curso tem sentido estratégico, e exercerá forte impacto sobre a luta dos trabalhadores e do povo brasileiro, assim como de toda a América Latina, por independência, integração soberana, desenvolvimento nacional e progresso social.

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