Estados de exceção servem à “segurança” de quem?

Apenas nesta semana, ao menos três atentados terroristas tomaram os noticiários internacionais, uns com mais destaque, outros com menos. No Iraque, no Paquistão e na Bélgica, quase 200 pessoas foram mortas por grupos que usam esta tática brutal para espalhar o temor da morte repentina.

Na narrativa simplista que, como toda narrativa, serve um propósito, a principal causa é o fundamentalismo religioso, o que tem há anos justificado, mas não legitimado, a violência da reação, usando o terrorismo como pretexto para agressões e invasões mundo afora. Tem sido exposta também, por outro lado, a consequência desta narrativa para os cidadãos dos próprios países que a promovem, com a suspensão de direitos civis e políticos através de um “estado de emergência” ou “exceção”, um debate que atingiu até mesmo o Brasil.

Num momento em que nos mobilizamos para defender a democracia contra o golpe que se debate nas trincheiras da direita brasileira, sofremos a aprovação da lei anti-terrorismo pelo Congresso. O Brasil teria sido “pressionado” pelo G20 e pela Comissão Olímpica a tipificar o terrorismo antes da realização dos Jogos Olímpicos – não que a atual composição de uma Câmara conservadora precisasse de tal pressão. Mas diversas organizações não governamentais, como em outros países, além dos deputados que votaram contra, como Jandira Feghali (PCdoB – RJ), denunciam a abertura que a lei dá à perseguição dos movimentos sociais. O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, por exemplo, já foi taxado por parte da direita reacionária de “organização terrorista”. Ainda há opinólogos a soldo da reação como Reinaldo Azevedo – sua coluna na Veja apareceu em uma busca, não a acompanho – afirmando que a lei é “frouxa” e atacando quem a combate, como o Conselho de Direitos Humanos na ONU, que ele chamou de “esquerdista e idiota”. Não coloco link para esta ignomínia propositalmente, mas ela aparece no Google.

A banalização do termo “terrorismo” e seu esvaziamento não acontece só no Brasil, é claro. Esta é mais uma herança do “norte” aos fieis conservadores e à elite reacionária no “sul”. Assim, toda sorte de violações dos direitos humanos e perseguição política é apresentada como resultado de uma preocupação com a “segurança”, essa que todos almejamos. Desde a deslegitimação completa de movimentos de resistência – como é o caso do Hezbollah libanês, o Hamas palestino ou as FARC colombianas – até a promoção de guerras contra povos inteiros, a “segurança” – esta commodity exclusivista – tem protagonizado narrativas sobre um monstro sem face denominado “terror”.

O filósofo italiano Giorgio Agamben analisa o discurso da exceção ou dos estados de emergência, como o decretado pelo governo francês após os atentados em Paris, ou pelo governo tunisiano, após o ataque ao museu Bardo, e até aquele promovendo a guerra ou o “Ato Patriota” nos Estados Unidos. Agamben faz referência à biopolítica de Michel Foucault, onde as populações estão no centro de uma governamentalidade enquadrada pelo liberalismo e por cálculos de custo, incluindo mecanismos de disciplina e controle – em nome da “segurança” – e o poder como uma relação consentida, como já indicava Antonio Gramsci sobre a hegemonia.

É interessante resgatar uma fala de Agamben em Atenas sobre o Poder Destituinte e a democracia, de 2013. Ele diz: “a fórmula 'por razões de segurança' opera hoje em todos os domínios, da vida cotidiana aos conflitos internacionais, enquanto palavra-chave da imposição de medidas que as pessoas não teriam motivos para aceitar”, ou seja, medidas que em tempos “normais” são violações dos seus direitos civis e políticos.

A quem servem, então, os estados de exceção e o seu prolongamento? Vemos hoje, 15 anos após os ataques contra as Torres Gêmeas em Nova York, o governo estadunidense arrastar uma batalha contra a Apple para desbloquear telefones sob o pretexto de buscar informações sobre redes que organizam atentados. Mas este é um mero exemplo. O limite ou a proibição das manifestações “por questões de segurança” também já se verificou em diversos países recentemente.

O direito à privacidade, desde os escândalos da espionagem da Agência Nacional de Segurança dos EUA, foi declarado defunto. Mesmo quando se trata de chefes de Estado ou Governo e empresas públicas, como foi o caso da presidenta Dilma Rousseff, da Petrobras e da chanceler alemã Angela Merkel. Que dirá, de cidadãos e cidadãs comuns como nós. Entretanto, o retrocesso civilizacional não acontece sem resistência. E esta resistência entrará, por isso mesmo, nas tipificações deslegitimadoras da contestação. É preciso fortalecê-la.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor