“Proibido Proibir”: Lições de Esperança

Filme do chileno radicado no Brasil, Jorge Durán, trata das relações entre o centro e a periferia do Rio Janeiro, mostrando uma cidade diferente da vista na televisão e nos jornais.

Rio de Janeiro, 2006. Há vários Rios e uma só cidade. A mais costumeira é a das novelas globais, com seus edifícios, enseadas, praias e uma beleza que esconde suas entranhas. Outro, não menos usual, é duro. Duro como pele curtida ao sol. Povoado de seres sem esperança. Este é o dos jornais televisivos e da mídia impressa. Longe dessas impressões que encantam turistas e chocam os que vivem para além dessas construções imagéticas, existe outra cidade. A dos subúrbios com suas casas, sobrados e terrenos baldios; cheia de luz, trabalho e, por que não, esperança. Este é o Rio do chileno, radicado no Brasil desde 1973: Jorge Durán. Vê-lo em “Proibido Proibir” é como escapar a estigmas e clichês e deixar-se atrair por imagens possuídas de afeto e paixão, emanados de personagens jovens, que mesmo encurralados pela crua realidade carioca encontram saída na solidariedade e no companheirismo.



           


Pode ser canhestro contar uma história com este conteúdo no momento em que a mídia põe em destaque a guerra urbana, a prisão de bicheiros que evoluíram para a exploração do jogo em luxuosas casas de bingo e a corrupção no judiciário. Parece não haver espaço para uma visão adversa desta. Durán e seu roteirista Dani Patarra fogem à guerra de gangues do tráfico, vista em “Cidade de Deus”, e do lugar comum da violência na favela. Centram seu enredo em três círculos que elucidam os encontros e desencontros da juventude e sua relação com a periferia, aquela flagrada em seu cotidiano, longe dos tiroteios que fazem a festa da audiência televisiva. No primeiro está Paulo (Caio Blat), estudante de Medicina, inveterado consumidor de pílulas e maconha, inteligente, que vê os pacientes mais como seres humanos do que como simples pacientes.


          


Problemas são comuns a centro e subúrbio


          



Paulo se compadece da dor dessas pessoas largadas nas camas dos hospitais, servindo de cobaias para seu estudo de medicina. Relaciona-se com elas a ponto de tornar-se seu amigo. Esta sua maneira de vê-las irá ditar os rumos do filme. Em outro círculo encontra-se Leon (Alexandre Rodrigues), negro, estudante de Sociologia, de família humilde, às voltas com pesquisas sobre a realidade das famílias de baixa renda do subúrbio. Para ele, a distância mais curta entre a marginalidade e a vida honesta não é a boca do fumo, pois “nem todo jovem morador da favela quer ser traficante”. E, por último, surge Letícia (Maria Flor), estudante de Arquitetura, que se relaciona com a cidade descobrindo seus recantos mais belos. Nenhum resquício há do já visto, do feito cartão-postal. O que ela mostra está relacionado à história, caso do antigo Edifício do Ministério da Educação, atual Edifício Capanema, projeto de Le Corbusier, em que se iniciou Oscar Niemeyer, e ao patrimônio cultural-religioso da cidade: a Igreja da Penha. Serve para Durán mudar os ângulos de câmera, brincar com o ver e o situar da personagem, uma vez que do alto se vê uma cidade diferente da enxergada de baixo, tumultuada pelas mais diversas poluições.



          


Dalí descortina-se outro Rio: os das favelas que se insinuam  montanha acima com sua cor avermelhada, os prédios que se espraiam por ruas e avenidas e as praias e o mar. É destes diferentes cenários que Durán (roteirista de “Beijo da Mulher Aranha”, “Pixote – A Lei do Mais Forte”) extrai o máximo, com economia de meios e uma história enxuta. O faz unindo os três círculos através do centro e da periferia, mostrando que seus moradores habitam o mesmo espaço, com problemas iguais para uns e outros. Neles estão os jovens, com suas ambições, sonhos e lutas. Os da periferia às voltas com a violência, a perseguição da polícia, a vontade de vingar seus entres queridos executados. Durán não se enreda por este mundo já muito visto, prefere analisá-lo por meio de Leon e sua colega de faculdade. São eles que põem na tela os rostos negros de mãe, pai e filho, para contar seu dia-a-dia. Ali há esperança de que o jovem chegue a algum lugar, e ele mesmo quer ser visto como alguém que vai em frente. Vê-se que Durán, desta maneira, dribla o maniqueísmo e equilibra a visão das contradições da megalópole.


 


            


Jovens querem segurança e futuro cheio de esperança


           


 


Não menos sacrificante é o cotidiano dos moradores do centro, dos bairros classe média. Paulo e Leon dividem um apartamento pelo qual chegam subindo uma comprida escada. Por ela também chega a vizinha que busca ajuda de Paulo para seus estudos. A escada é mesmo a escada, a que permite chegar ao lugar de encontro, de saída para problemas que atormentam a juventude: o futuro feliz e seguro. As relações, no entanto, passam ao largo dessa aspiração. Não há como separar os dois espaços. Ambos estão ligados, as pessoas sejam lá a qual deles pertençam se relacionam, dependem umas das outras. Durán lança sobre o espectador esta certeza, sem que ele perceba. De repente, vidas se interlaçam, com ações ditadas por um sistema construído para separá-las. O que as une é um sentimento há muito abandonado: a solidariedade, só permitida, pela visão de Durán, aos jovens e aos humildes.
          



A romper este liame está a brutalidade policial. A ameaça à juventude – e não só a ela – vem daqueles que enveredaram para o mundo do crime puro e simples, mesmo tendo a seu cargo a segurança das pessoas.A cena que funde os três círculos e prende a atenção do público, ansioso para ver como Durán encontrará solução para o que armou, é brutal. Policiais-criminosos agindo como feras, executam jovens inocentes para garantir uns trocados a mais. Igual a tantas cenas vistas na mídia. E com uma diferença: Durán não os trata com complacência. Eles, os policiais, perderam qualquer senso de humanidade: estão ali para usar da violência para atingir seus objetivos. Montam armadilhas, perseguem implacavelmente suas vítimas. Refletem os impasses criados pelos conflitos urbanos, ditados pela estrutura do capital brasileiro, incapaz de criar opções para os jovens e suas famílias. Durán diz que a saída está nos próprios jovens, embora eles tentem, como Leon, enfrentar os criminosos em seu campo.


 


            
            
Afeto prevalece nas relações entre os jovens


            



Interessante é que Durán usa o velho triângulo amoroso para pontuar esta história. O faz à maneira de Truffaut, em “Uma Mulher para Dois”, em que a convivência entre os amantes não gera ciúmes ou mágoas. É possível amar a um deles e deixar-se atrair pelo outro. Esta convivência, às vezes difícil, é que lhes permite superar as barreiras que a estrutura social carcomida, decadente, lhes impõe. Quando isto acontece, ainda que em meio à dor, o afeto prevalece. As diferenças entre raças somem – e o tom é dado por Nelson Cavaquinho cantando “Juízo Final”. Nunca um filme brasileiro fundiu de forma tão suave temas em si contraditórios: a paixão que domina o ódio e faz quem os sente ser atraído pelo carinho daqueles que dividem com ele sua razão para continuar vivo. “Proibido Proibir” consegue isto sem resvalar para o pieguismo, o lugar comum e a falsa rebeldia, que, ao invés de retratar o comportamento da juventude atual, com base nas barricadas de maio de 68, em Paris, só a torna caricata. Não é o que acontece neste belo “Proibido Proibir”.


 



“Proibido Proibir”. Drama. Brasil/Chile. 2006, 100 minutos. Direção: Jorge Durán. Elenco: Caio Blat, Maria Flor, Alexandre Rodrigues.
                  

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