“O Ano Mais Violento”, métodos perigosos

A construção de monopólio na área de distribuição de combustíveis, com métodos de gangster, é o tema deste filme do estadunidense JC Chandor.

 Com recorte de filme policial, este “O Ano Mais Violento”, agora em DVD, envolve o espectador nas boas intenções do latino-estadunidense Abel Morales (Oscar Isaac). Pequeno empresário da área de combustíveis, ele pretende tornar-se importador e distribuidor em Nova York, baixando preço e ganhando milhões. Nada diverso do voraz mercado, onde o monopólio assume múltiplas facetas, escondendo sua velha manipulação.

A Nova York do cineasta estadunidense JC Chandor (O Dia Antes do Fim, 2011) é desglamourizada, cheia de velhos prédios, ruas tomadas pela neve, ladeadas pela vegetação amarelecidas e acanhados escritórios. O universo dos pequenos distribuidores de combustíveis, em 1981, não é o do bilionário universo das grandes produtoras de petróleo, as Sete Irmãs, mas de seu ramo menos rentável. Eles sobrevivem com pequenas frotas de caminhões-tanque, como ocorre com o próprio Morales.

Mesmo assim vivem em mansões, dirigem luxuosos carros e vestem-se com apuro. Mantém velhos hábitos de ir à barbearia, conviver em restaurantes, revelar uns aos outros seus planos. No entanto, o projeto de Morales é ambicioso. “Vou comprar parte do cais, importar o combustível e armazená-lo num tanque. Depois, posso vendê-lo por um bom preço (citação não literal). Na verdade, ele lançou sobre seus concorrentes a maldição do monopólio, pois iriam dele depender para sobreviver.

Anna é vértice de Morales

Chandor usa este leitmotiv para urdir uma trama em andamento lento, centrada em Morales e sua companheira e sócia Anna (Jessica Chastain). Parceiros, mas diferentes, enquanto ele “segue a lei” e evita o conflito com a concorrência, ela é uma incógnita. O espectador os vê como protótipos dos personagens dos filmes noir: o mocinho vitimado e a mulher fatal. Anna, porém, foge a este estereótipo. Não é insinuante, nem sensual, é cerebral, astuta, decidida.

Isto se confirma nas três sequencias em que enfrenta os concorrentes e a Justiça: I – Dirigindo à noite em meio à nevasca, Morales atropela um veado e não o sacrifica, ela o faz; II – Ao ter a casa invadida e as filhas ameaçadas, ela mostra a Morales o revólver com que irá defendê-las; III – Quando o promotor A. Laurence (David Oyelowo) está prestes a invadir sua mansão para confiscar documentos da empresa, ela o ameaça enquanto Morales esconde as caixas de documentos suspeitos.

Construída por Chandor em detalhes, com a contribuição da atriz Jessica Chastain (A Árvore da Vida, Terence Malik, 2011), ela se vale da experiência de filha de falecido gangster para defender a família e seu negócio. Principalmente na terceira parte do filme, quando Morales se vê sem apoio do banco que o financiaria e perseguido pelos concorrentes que espancam seu contato com os postos de gasolina e cooptam Julian (Elyes Gabel), seu motorista de caminhão-tanque de confiança.

Anna é ativa e maquiavélica

Através dela, Chandor muda a imagem da mulher do vitimado no clássico noir, não a tornando decorativa ou chorosa. Maquiavélica, Anna enfeixa a ferocidade do jogo capitalista que aniquila a concorrência para monopolizar o mercado. E se vale deste método quando Morales se envolve com agiotas para salvar o ambicionado projeto. Insatisfeita, o impede de se tornar vítima deles e o instrui a banir o ameaçador Peter Forente (Alessandro Nivola) do mercado de combustíveis.

Embora passeei por vários tipos de filme: gangster, máfia e policial, “O Ano Mais Violento” é mais um drama sobre a falsa livre concorrência no sistema capitalista e a luta do latino Morales para “fazer a América”. Em várias sequências, percebe-se a repulsa à sua origem nos olhares de Forente e Arnold Kline (Glenn Fleshler) e a seu interesse de monopolizar a distribuição de combustíveis em Nova York.

Esta estruturação não deixa a narrativa de Chandor perder a leveza, mantendo o espectador atento à trama. Até mesmo a violência se presta ao seu andamento, sem que as sequências de ação tendam ao espetacular. Salvo pela sequência com Julian, o sangue não explode em câmera lenta, nem estimula a catarse e o prazer estético gerados pela brutalidade, tão comuns hoje no cinema hollywoodiano.

Recursos narrativos ajudam o espectador

Além disso, a estética de Chandor, reforçada pela fotografia de Bradford Young, é pelos meios tons, de iluminar parte do espaço da cena. Nos planos-sequência prefere o grande plano, pondo os personagens na mesma cena, como no tenso encontro de Morales com Forente ou de Morales com Anna. A câmera permanece fixa, as reações deles ficam evidentes, notadamente nesta última sequência, quando ele percebe que foi enganado e ela se justifica. Inexiste pirotecnia ou acentuação musical.

De qualquer forma, Morales é cria do sistema capitalista. Seus métodos empresariais e sua fortalecida relação com o promotor Laurence levantam suspeitas. Seu monopólio em muito dependerá de como se portará nesta parceria. Chandor põe esta pulga na orelha do espectador.


“O Ano Mais Violento” (A Most Violent Year). Drama. EUA. 2014, 125 minutos. Editor: Ron Patane. Música: Alex Ebert. Roteiro/direção: JC. Chandor. Elenco: Oscar Isaac, Jessica Chastain, David Oyelowo, Elyes Gabel. Albert Brooks, Alessandro Nivola.

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