“A Grande Aposta", raízes da queda

Filme do cineasta estadunidense Adam McKay mostra a gênese da crise financeira atual e como os fundos e os especuladores ganharam bilhões.

Podia ser uma comédia de humor ácido. Mas “A Grande Aposta” é uma tragédia, em ritmo de thriller e suspense e, não se assuste, terror. Trata-se da crise financeira mundial de 2008, engendrada nos EUA desde os anos 80. Seus personagens são bancos, fundos, especuladores, agentes do governo, senhorios, e, porque sim, inquilinos e proprietários.

O trabalho do cineasta Adam McKay foi, a partir do livro do escritor Michael Lewis, ordenar a narrativa com seu corroteirista Charles Randolph, e denunciar a insana estratégia do jovem Michael Burry (Christian Bale), cappo de fundo de investimento, de San José, Califórnia. Atilado e perspicaz, ele descobriu que o pagamento de milhares de prestações estava atrasado, e seus proprietários tinham hipotecado seus imóveis várias vezes, e não havia como quitá-las.

Assim, dentro em pouco, estouraria uma grande crise imobiliária nos EUA. Restava-lhe se aproveitar da dívida das famílias e da perda de seus imóveis para ganhar bilhões de dólares. Bastava convencer os grandes bancos de que quanto mais a cotação das hipotecas caísse, mais lucro teriam, ou se ela subisse, ele os indenizariam. Melhor para ambos.

Burril e Baum vivem no trabalho

Toda narrativa gira em torno de Burril e de seu concorrente em Nova York, Mark Baum (Steve Carell), com intervenções do diretor do Deutsche Bank, Jared Vennetti (Ryan Gosling), que explica as ações deles ao espectador. Burril reduz sua vida a gráficos, cotações e natação, já o judeu Baum gere seus negócios e se aconselha com a companheira Cynthia (Marisa Tomei) através do celular. Em comum têm apenas a desmedida ambição pelo capital. Adoro meu trabalho, diz Baum.

Esta é apenas uma vertente da crise financeira de 2008. Sua raiz está no livre fluxo de capitais, implantado pelo Governo Ronald Reagan (1981/1989), e hoje pilar do neoliberalismo. Suas consequências são a bolha da internet (2000) e a crise de Wall Street (2008), com perdas de bilhões de dólares pelos bancos Goldman Sacks, JP MorganChase, Morgan Stanley, City Group, Bank of America, e falência do Lehman Brothers (1850/2008) e da Seguradora American Internacional Group.

Para evitar colapso do país, os EUA foram obrigados a socorrê-los e aos demais conglomerados, como a General Motors, com a liberação de US$ 2 trilhões de dólares. A Inglaterra fez o mesmo com US$ 1 trilhão e a Alemanha, França, Áustria, Itália e Países Baixos com R$ 1,17 trilhão cada. Mas tais recursos não evitaram que em 2014, os desempregados no planeta chegassem a 202 milhões, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Com estes personagens e tóxico material dramatúrgico, McKay monta as peças de seu filme cujo tema, a especulação imobiliária, provoca calafrios. Os dirigentes dos fundos e dos bancos são celebrais ao negociar as hipotecas podres e só veem grandes lucros à frente. Qualquer contrato é comemorado em clube fechado à noite inteira, embalada por dançarinas, uísque, música e energéticos, longe de suas vítimas.

Classificação de risco é sopa de letrinhas

Mas os lucros da especulação financeira não advêm da produção, gerada pela mão de obra operária, como diria Karl Marx (1818/1883). Apoia-se em sua capacidade de gerir papéis sem lastro. A cadeia especulativa tinha (e tem) o apoio das agências oficiais imobiliárias e o beneplácito das agências de classificação de risco. Na melhor sequência do filme, Vennetti desmistifica suas avaliações, mostrando que suas classificações são meras sopas de letrinhas.

Num ríspido diálogo de Baum com a diretora da agência Standard & Poor´s, Georgia (Melissa Leo), ele lhe cobra punição para os bancos especuladores, devido aos prejuízos causados ao sistema financeiro, e ela chama-o de hipócrita por ter obtido altos lucros com as subprime, as hipotecas podres. Não só ele, Burril obteve US$ 1.130 bilhões de lucro, enquanto seu fundo de investimento geria US$ 555 milhões.

Vítimas do sistema e da propaganda

McKay configura a influência da propaganda sobre as famílias em takes de belas casas e sobrados, em bairros nobres. E a desconstrói em flashes de móveis amontoados nas calçadas, tristes crianças na rua, portas de casas fechados, veículos abandonados, olhares sofridos das vítimas para a câmera. São presas sem proteção das agências de crédito imobiliário Fannie Mae e Freddie Mac, privatizadas em 1967 e reestatizadas por Barak Obama, em 2008.

Ao unir as linguagens do documentário e da ficção para situar as típicas situações e os termos usados por Wall Street, McKay reforçou suas opções narrativas. E valeu-se de seus “agentes” ao falar direto ao espectador, casos da modelo na banheira de espuma, ou do chef na cozinha para fixar os nomes de cada transação. Deste modo o desperta para a inacabada tragédia de 2008, cuja segunda onda está em pleno curso.


A Grande Aposta.
(“The Big Short”). Drama. EUA. 2016, 130 minutos. Montagem: Hank Corwin. Música: Nicholas Britell. Fotografia: Barry Ackroyd. Roteiro: Adam McKay/Charles Randolph. Direção: Adam McKay. Elenco: Christian Bale, Ryan Gosling, Steve Carell, Brad Pitt, Marisa Tomei, Melissa Leo.

Indicado ao Oscar 2016: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Montagem, Ator Coadjuvante: Christian Bale.

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