Carnaval é momento de “furor igualitário” e desabafo popular

Cresci ouvindo falar que São Luís era o terceiro melhor Carnaval do Brasil. A gente se apaixonava pelas marchinhas que pegavam fogo na Rádio Clube de Pernambuco, a mais ouvida nas brenhas dos sertões nordestinos.

Falo da longínqua era dos anos 60, antes da radiola. O povo fazia festa dançante sob os acordes de músicas tocadas no rádio. Basta dizer que o primeiro rádio de Graça Aranha foi um Philco de mesa, comprado pelo meu pai! Era 1961, 1962, por aí. Quem não viu não consegue imaginar a romaria que foi conhecer um rádio!

Vi muito as quengas do Derivaldo pulando Carnaval na rua, e o rádio tocando, enquanto o sanfoneiro descansava. Era assim na Graça Aranha dos anos 60, que eternizei num romance, no qual o nome do dono do cabaré é real, assim como a descrição que vai abaixo, que no livro é “Grotões dos Bezerras”.

“O Carnaval: consistia em escassos fofões devidamente mascarados e de homens mascarados vestidos de mulher zanzando nas ruas nos três dias de Carnaval… Na segunda-feira de Carnaval havia o memorável desfile das putas da cidade, que todo mundo esperava na maior ansiedade.

Eram as mulheres do Cabaré da Bela… As putas tomavam conta das ruas, num espetáculo que dava gosto de ver, numa alegria contagiante, sem se importar que só no Carnaval elas podiam bailar nas ruas sem serem importunadas. Quando eu via aquelas mulheres, sem máscaras, com cada roupa linda de seda de cores fortes que brilhavam ao sol, o que eu mais desejava era ser uma puta daquelas, eu juro! Era o meu mais acalentado e indizível sonho…” (páginas 221 e 222 de “Reencontros na Travessia: A tradição das carpideiras”, Mazza Edições, 2008).

Até 1968, com quase 15 anos, jamais havia visto outro Carnaval quando vim cursar a 8ª série ginasial em São Luís. Cheguei no sábado de Carnaval. Eu e mamãe fomos, três dias seguidos, ver o corso na praça Deodoro, os cordões de dominós, a casinha da roça, os fofões, os blocos – sobretudo os de sujo… De lá para cá, o Carnaval de São Luís sofreu modificações e 1.001 segregações que garantiam os desejos da “Branca” (Roseana Sarney), que se dizia foliã e criou seu próprio circuito carnavalesco, deixando minguar o Carnaval de rua. Em 2016, está em curso o “Carnaval de Todos”, cujas atrações pré-carnavalescas estão sendo de babar.

Compartilho o que escrevi em “Até que enfim, papai deixou!” (O TEMPO, 23.2.2003): “Desde a sua mais remota origem, o Carnaval é momento de ‘furor igualitário’ e de desabafo popular. Há algo mais italiano? Para uns, o Carnaval vem da Grécia: culto a Ísis e dos festejos em homenagem a Dionísio. Para outros, surgiu nas festas dos inocentes e dos doidos, na Idade Média. Polêmicas à parte, havia Carnaval na Antiguidade clássica e indícios dele na Antiguidade pré-clássica: festas animadas, barulhentas, com máscaras e lascívia.

Carnaval, festa popular por excelência, é uma palavra cuja etimologia está eivada de controvérsias, desde que o significado de “terça-feira” gorda – dia após o qual é proibido comer carne, mas, em latim, é carnelevamen ou “carne, vale!” e quer dizer “adeus, carne!”. Há quem diga que carnelevamen é popularização de carnis levamen, que significa “prazer da carne”, uma festa pagã, atrelada ao calendário da Igreja romana, que ocorre em fevereiro ou em março, nos três dias que antecedem a Quaresma – 40 dias entre a Quarta-feira de Cinzas e a Páscoa.

Vários papas foram inimigos do Carnaval, mas Paulo II, considerado o criador do baile de máscaras, no século XV, permitiu que as festas fossem realizadas na Via Lata, ao lado do seu palácio”.

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