Je suis Vai-Vai

No inicio de 1985, brincávamos de tocar, em um “grupo de samba” coordenado e dirigido pelo exigente “Mercadoria” a época um dos diretores da Escola de Samba Rosas de Ouro. Na verdade o grupo animava desde 1982 o “Magistral Danças” casa de bailes que ficava na Avenida Celso Garcia, esquina com a rua Ivaí, onde morávamos.

Ali, alguns operários e operarias que trabalhavam nas imediações curtiam seus sábados a noite. Nas proximidades existiam as fábricas: Santista, Vicunha, Tecelagem Brasil e muitas outras de menor porte. Neste cenário no Tatuapé vivi o que eu considero o meu primeiro carnaval de fato em São Paulo. O famoso bairro da zona leste cheio de empresas têxteis, metalúrgicas, produtos alimentícios e de laticínios, fervia em pensões e cortiços habitados por jovens operários vindo de várias partes do Brasil. Foi em um sábado antes do carnaval daquele ano que conheci um sambista carioca, ligado ao Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela, da sua ala de compositores. Seu nome Antônio Gilson Porfírio, conhecido nacionalmente como Agepê.

Grande figura, bebia cachaça como água e cantava como gênio…Ex-operário, trabalhou também como projetista da Telerj antes de se desligar e dedicar-se a música. Ele tinha 43 anos e estava no auge de sua carreira, com um estrondoso sucesso. “Deixa eu te amar” trilha sonora de uma novela global “Vereda Tropical”, vendeu um milhão e meio de discos (LP) vinil.

Mal sabia eu que dez anos depois a cirrose o tiraria do nosso convívio. Mas o importante é que desta conversa, deste papo entre o artista e o jovem operário sambista surgiu a vontade de enfim desfilar em uma escola de samba de São Paulo.

Eu, que era muito critico do carnaval paulistano, pois considerava de fato a cidade como o túmulo do samba, resolvi, magnetizado pelo contato e pelo som do portelense, vestir, pela primeira e única vez, na avenida as cores azul e branco da “Nenê de Vila Matilde”.

Como trabalhava na fábrica e era sindicalista e já militante partidário, sabia que o ano seria, como de fato foi, de muita efervescência política. Tancredo Neves disputaria com Paulo Maluf a eleição indireta, via Colégio Eleitoral, para Presidência da República.

Mas voltando a folia ao desfilar na “Nenê” com o azul e branco da “Portela” não poderia imaginar que seriamos, como fomos, campeões do grupo especial. Isso mesmo campeão com o enredo homenageando ao Patrono e Presidente da Escola Alberto Alves da Silva, “seu Nenê”.

Ele presidiu a escola por 49 anos consecutivos e ainda por motivos de saúde passou a presidência para o seu filho, razão do meu rompimento com a agremiação. Afinal cinco décadas sem eleições era muito, e ainda é, para a minha cabeça.

Ganhando o titulo fomos, a escola, convidados para desfilar no Rio de Janeiro. Isso mesmo lá na Marquês de Sapucai a “Nenê” representou São Paulo, no desfile das Campeãs do Carnaval do RJ ao lado da grande campeã carioca daquele ano que foi a Mocidade Independente de Padre Miguel.

Ao participar desta epopéia vi de perto a abissal diferença entre os dois carnavais. Na verdade todos nós que fomos ficamos deslumbrados com a magnitude, o gigantismo e o luxo do carnaval do Rio. E a “Mocidade” arrebentou naquele ano. Com o seu “Ziriguidum 2001. Carnaval das Estrelas” levou para a avenida o sonho e os devaneios de seu carnavalesco que dezesseis anos depois a vida desmentiu. Mas fez um desfile fantástico e nos deixou a todos como amadores iniciantes.

Hoje mais maduro e experiente no carnaval de São Paulo, vejo que a diferença diminuiu bastante. Acho até que o carnaval carioca, em termos de escola de samba, não manteve o ritmo do passado no quesito evolução. Estacionou em certa medida e os paulistas evoluíram, não o suficiente é claro, mas avançaram bastante.

O carnaval prá mim é assim. Festa democrática de estilos e cores, fantasias e sonhos. Ao observar o nascente resgate do carnaval de rua em Sampa, blocos e grupos desfilando ainda no estilo “quadrado”, menos solto do que em Recife, por exemplo, não deixo de ficar feliz e que a evolução não pare.

Je suis Vai-Vai, bem vindos a Sampa!!!

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