Profissional Amadorismo (III)

Com o retorno do regime civil (em 1985) o Congresso Nacional ficou repartido politicamente em três forças políticas principais: a situação formada pela Aliança Democrática (coligação PMDB-PFL), uma oposição à direita formada pelo PDS (ex-Arena) e uma oposição à esquerda formada pelo jovem PT (Partido dos Trabalhadores), de força ainda diminuta no Congresso, e pelas legendas que ainda clandestinas ou semi, incluindo os comunistas, que atuavam no seio do PMDB.

Já em maio de 1985 o Congresso Nacional aprovou e o presidente José Sarney sancionou a Emenda Constitucional nº25, estabelecendo uma série de medidas que alteraram a dinâmica eleitoral, merecendo destaque:

• Estabelecimento de eleições diretas para presidente (sem, contudo, definir data para tal), pelo sistema de maioria absoluta em dois turnos;

• Convocação (para 15 de novembro) de eleições para prefeitos das capitais, dos municípios considerados áreas de segurança nacional e para prefeitos e vereadores dos novos municípios;

• Liberação das exigentes regras para organização de partidos políticos;

• Suspensão (nas eleições municipais) da sublegenda e permissão das coligações;

• Representação do Distrito Federal no Congresso Nacional;

• Concessão do direito de voto para os analfabetos.

 

Na esfera eleitoral, realizou-se em 1986 um novo recadastramento do eleitorado nacional. O registro de eleitores foi informatizado e unificado nacionalmente no Tribunal Superior Eleitoral, o que permitiu a eliminação, quase que completa, das fraudes de cadastramento. Foi expedido um novo título eleitoral, agora sem fotografia. A manutenção da obrigatoriedade de alistamento e de voto elevou o contingente de participação nas eleições. Em 27 de novembro de 1985 a Emenda Constitucional nº 26, determinou que “os membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal” reunir-se-ão “em Assembleia Nacional Constituinte, livre e soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987”. O presidente do Supremo Tribunal Federal instalaria a Assembleia e dirigiria a sessão de eleição de seu presidente, e a Constituição seria promulgada “depois da aprovação de seu texto, em dois turnos de discussão e votação pela maioria absoluta dos membros da Assembleia”.

Debates à parte sobre a natureza e os poderes da Assembleia Constituinte, em 5 de outubro de 1988, foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, trazendo enormes avanços, principalmente, no campo dos direitos individuais, sociais e econômicos. Entretanto, no processo eleitoral a Constituição não trouxe nenhuma alteração de monta, em que pese ter dedicado um capítulo inteiro ao tema (Capítulo IV do Título I) e a ênfase dada ao exercício direto da soberania com o alargamento do voto (inclusão dos analfabetos) e a elevação do sufrágio universal, direto, secreto e periódico.

Em 15 de novembro de 1989 é realizada a primeira eleição direta para presidente, após a instauração do Estado Democrático de Direito na República Federativa do Brasil, dela saindo vencedor (após o 2º Turno em 17/12/1989) Fernando Collor de Mello, governador de um pequeno estado do Nordeste, que conseguiu se sobrepor nas urnas a figuras conhecidas da política nacional como: Ulysses Guimarães, Mário Covas, Leonel Brizola e Luís Inácio Lula da Silva.

O país, ainda dando os primeiros passos após o processo de redemocratização vai as urnas (na maior participação popular até então) e elege seu presidente, meses depois vai as ruas e ajuda a promover o seu impeachment (o primeiro da história). Fernando Collor sai de cena e Itamar Franco (vice-presidente) completa o mandato, lançando um plano de estabilização econômica (Plano Real) que fortalece a moeda e derruba a inflação, ajudando a eleger, no pleito de 3 de outubro de 1994, Fernando Henrique Cardoso como Presidente. Em junho de 1997, a Constituição é emendada, através de um golpe, para permitir a reeleição de ocupantes dos postos do Executivo, numa clara e casuística manobra política para prolongar o governo de Fernando Henrique Cardoso, que se reelege em 4 de outubro de 1998 para um mandato de mais quatro anos. Mas a questão central que queremos abordar, diz respeito a quantidade de eleições que ocorreram nos últimos trinta anos. Foram, na verdade, 16 eleições (municipais,estaduais/federais) em três décadas. Uma eleição a cada dois anos, menos até.

Evidente que o processo de eleitoral bienal, trouxe benefícios à democracia de forma geral. Em especial se considerarmos que durante a Ditadura Militar pouco ou quase nada se votou por aqui. Contudo gerou também uma adaptação dos partidos populares, democráticos que se constituíram enquanto forças políticas atuantes de oposição e resistência. As elites conservadoras produziram as leis eleitorais e partidárias que estão em vigor no país. Digo leis reais aprovadas pelo sistema, seja Congresso Nacional ou mesmo TSE, e “leis” subjetivas, não escritas, mas que determinam de fato os processos eleitorais e garantem, através de mecanismos, aparentemente legais, a representação da maioria parlamentar e executivo que as representam.

Dois fenômenos, entre outros, quero destacar da analise deste período. O surgimento de duas não tão novas categorias, por assim dizer, de acontecimentos que hoje são visíveis aos olhos mais atentos do observador curioso.


Os Partidos de Aluguel:

São os partidos políticos usados por um partido mais forte, quase sempre com o controle da máquina do executivo, com finalidade estratégica e que, em alguns casos, não visam à vitória nas urnas. Geralmente são partidos pequenos, mas nem sempre, com pouca expressão eleitoral, que se submetem a tal finalidade. Na maioria das vezes seus dirigentes (municipais, estaduais e/ou nacionais) recebem benefícios pessoais por compactuar com a submissão dessas entidades a outras. Vários “serviços” podem ser contratados junto a um partido de aluguel.

Claro que isso sempre existiu. Mas duas questões “novas” nos chamam a atenção. Uma delas é a quantidade. Nunca se viu tanta criação de partidos com este fim nesta dimensão. E agora de forma escancarada. Veja o caso, por exemplo, do “Solidariedade”. Criado explicitamente para ser uma legenda de aluguel dos tucanos, tornou público inclusive os ganhos de sua liderança para agir de tal maneira. Este partido é hoje principal base do Eduardo Cunha (PMDB) na sua tentativa de manutenção do mandato em risco. É óbvio que o compromisso não tem nada de programático. Partidos de aluguel não almejam o poder e nem vitória eleitoral no caso dos cargos executivos e sim eleger parlamentares e assim atuarem como massa de manobra do partido “provedor”.

E a outra é que tal prática foi assimilada, por partidos populares e democráticos, como o PT, em especial nos municípios, que antes criticavam tais posturas. Ou seja, houve uma adesão a esta prática de quem antes cresceu e se fortaleceu atacando posturas fisiológicas de partidos das elites. E isso ocorreu durante este período. Foi quando estes partidos, antes de oposição, entenderam que o mecanismo para se manterem no poder e mesmo obterem maioria parlamentar, é com eleições espetaculares e caras. Reproduzindo velhas formas de pactuação com os partidos de aluguel, famílias políticas e grupos econômicos para obter maioria e a chamada “governabilidade”. E isso implicou em corrupção, aparelhamento da máquina pública, de estatais e relações pra lá de intimas com os negócios privados.

Os alugados ou alugáveis mostram que misturar dinheiro com política não dá certo, ao menos para o povo e para partidos sérios que tem compromissos com as mudanças.


Candidatos Profissionais:

Esta “categoria” também não é nova. Mas atualmente passou a ocupar um espaço maior nas estratégias dos partidos que buscam obter cadeiras e espaços nos legislativos. E como a eleição ocorre a cada dois anos, houve uma reciprocidade visível.

Funciona mais ou menos assim; o candidato, geralmente uma “liderança” localizada, pontual e por vezes especifica. Percebe que se consegue 1.000, 2.000 ou até 5.000 votos tem espaço garantido em partidos, que ao lançar chapas próprias necessitam desses votos para atingir o quociente eleitoral e obter cadeiras nos legislativos. Então é feito um “acordo” que geralmente é celebrado no ano anterior ao eleitoral. Geralmente, mas nem sempre. O Partido interessado filia o “profissional’, garante a legenda para a tal candidatura e busca manter o incauto “liberado” de atividades profissionais para que ele “trabalhe” suas bases para garantir os votos acordados. E assim vai, segue o processo. O Partido apoia determinado candidato ao executivo, elege parlamentares e “aproveita” o profissional, sim aquele que será candidato “degrau” que deverá ser utilizado na próxima eleição. Indica para cargos em gabinetes ou mesmo em espaços públicos e o “profissional” faz desta atividade (ser candidato) o seu meio de vida.

Isso termina por contaminar os partidos cujos dirigentes, para garantir a legenda prometida precisa continuar na direção. Aí o “profissional” busca filiar mais gente de sua “suposta” base para garantir no “colégio eleitoral” interno a votação ao dirigente comprometido.

Para os partidos fisiológicos e de aluguel, isso não é nenhum problema. Aliás faz parte do processo venal com o qual eles são constituídos. Obter vantagens individuais através de utilização de técnicas eleitorais cada vez mais “desenvolvida” é o objetivo deles. Para ganhar as eleições tal qual ocorre no Brasil, não é preciso ter um “trabalho social” consistente e nem ter compromissos com a verdade e tão pouco com as mudanças. Se houver bom domínio da legislação e recursos humanos com esta qualificação e principalmente recursos financeiros, pronto a eleição baseada na concepção capitalista de marketing e venda de “produto” resolve.
Mas para os partidos consequentes, revolucionários e de esquerda, não enfrentar tais questões será a morte. É preciso resistir, remar contra a maré. A política sem ideologia, sem conteúdo revolucionário e transformador, não levará a lugar nenhum. Utilizar-se com inteligência a realidade posta, ser criativo, sem abrir mão dos princípios que norteiam a luta transformadora e mudancista é a exigência. Não subordinar, nunca jamais, os objetivos coletivos aos individuais e combater esta tendência é a luta atual. As eleições não podem ser tudo. O movimento não pode ser tudo. O importante é o objetivo final!

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