“As Sufragistas” – Mulheres e insurreição

Cineasta inglesa Sarah Gavron mescla luta de classes, choque com o poder e resistência emancipacionista para mostrar conquista do voto em seu país.

A entrada da mulher no mercado de trabalho e a ocupação dos bancos escolares, frutos da Revolução Industrial no Reino Unido (1698/1895), engendraram também sua luta pelo direito ao voto. Neste “As Sufragistas”, a cineasta inglesa Sarah Gavron mescla realidade e ficção para reviver o movimento na Inglaterra, em 1912. E centra sua narrativa na ação da União Social e Política das Mulheres (WSPU), liderado por Emmeline Pankhrust (1858/1928), que mudou a forma de enfrentar a monarquia e as elites.

Não mais palavras de ordem, como “queremos ação, não palavras”, suas táticas deveriam ser de enfrentamento. Sua frase: “Nunca subestime a capacidade da mulher mudar seu destino”, sintetiza as mutações pelas quais irá passar Maud Watts (Carey Mulligan), de 24 anos, chefe de setor de lavanderia londrina, onde trabalha desde os sete. É, portanto, com as mulheres da classe operária inglesa que Gavron e sua roteirista Abi Morgan trabalham, pois sobre elas recaiam a exploração e os preconceitos.

Maud e sua colega Violet Miller (Anne-Marie Duff) são casadas e têm filhos, daí serem obrigadas a suportar pesadas cargas de trabalho na lavanderia onde travam com o patrão Taylor aberta luta de classes. E a câmera de Gavron flagra-as o tempo todo presas às maquinas de lavar, secar e tingir roupas sob os vigilantes olhares dele. Não causa espanto que as palavras de ordem e as ações do WSPU as influenciem.

Maud compreende as etapas da luta

No entanto, a dupla Gravon/Morgan concentra a narrativa no drama vivido por Maud. Ela se divide entre o relacionamento com o companheiro Sonny (Ben Whishaw) e o filho de seis anos George (Adam Michael Dodd) e seu ativismo no WSPU. E percebe que terá de ser ao mesmo tempo operária, dona de casa e militante política, devendo conciliá-los. Ela o faz até Taylor pressionar Sonny e este, também operário da lavanderia, fraquejar e começar a chantageá-la, afastando dela o filho.

Embora inexperiente, Maud é inteligente o suficiente para ver que a desigualdade não estava só na proibição de votar, mas também na diferença salarial entre as mulheres e os homens. Enquanto, elas ganhavam 16 schillings, eles recebiam 19. Isto a faz optar pelo WSPU, e logo integrar seu coletivo de direção setorial.

Dele faziam parte a “química” Edith (Helena Bonhan Carter), a burguesa Alice Hughton e a ativista Emily Wilding Davinson (Amanda Lawrence). Isto a obriga a ser 100% ativista, implicando em ver pouco George e se afastar da lavanderia de Taylor. Numa dessas vezes, ela e outras ativistas são presas, trancadas num cubículo, onde são torturadas. Mesmo assim, ela se recusa a dedurar seus contatos e se tornar informante do inspetor de polícia (Brendan Gleason).

Reações do WSPU são radicais

Seu aprendizado incluiu entender que a burguesia impõe as formas de resistência do oprimido. A cada recusa do Parlamento de aprovar o voto feminino, elas respondiam com a queima de caixas dos correios, sabotagens, passeatas, até chegar à explosão de residência oficial e o choque mortal de Emily com o cavalo de raça em pleno derby, na presença do Imperador Jorge VI (1910/1937).

Assim, a dupla Gavron/Morgan conscientiza o espectador sobre o processo de ativismo. É uma luta desigual. O movimento sufragista liderado pela educadora Millicent Fawcett (1847/1929) começou pacifista, em 1897, mas a visão reacionária da burguesia e de suas elites, ao achar a mulher incapaz de exercer a plena cidadania, fez Pankhurst (Meryl Streep) radicalizar as ações do WSPU. Mas a conquista do voto só veio em 1928.

Contudo, a pioneira do voto feminino no planeta foi a Nova Zelândia, em 1893, sendo a Finlândia, a primeira na Europa, em 1906. No Brasil, a luta só prosperou com a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, liderada por Bertha Lutz, e o Comité das Mulheres Trabalhadoras, coordenado pela poeta Laura Brandão e a operária Maria Lopes, ambas do PCdoB, na década de 20. E em 24/02/1932, por meio do Decreto 21.076, Getúlio Vargas atendeu às reivindicações das sufragistas brasileiras.

Gavron não manobra os espectadores

Vale neste “As Sufragistas” a ousadia temática e a estética sem concessões de Gavron. Numa bela transição, no desfecho, ela substitui a encenação do funeral de Emily, por imagens reais de 1912, com a multidão assomando. Choca e emociona a um só tempo. O mesmo ocorre na sequência em que Maud vê o filho ser levado pela família que o adotou. E lhe diz: “Nós voltaremos a nos encontrar”, como se fosse um “até logo”.

Mas é sobretudo ao unir a ação à música de Alexander Desplat, numa montagem ritmada em várias sequências, associando-a à obra de Serguei Eisenstein “A Greve” (1927), que essa técnica aflora. Sua câmera muda sempre de posição, como se tentasse surpreender os personagens. E não tenta manipular o espectador, como nos filmes cujas propostas reacionárias mostram os movimentos libertários como fracassados. Cada conquista leva tempo. A vitória total mais um pouco.

As Sufragistas. (“The Sufragettes”). Drama político. Reino Unido. 2015. 106 minutos. Música: Alexander Desplat. Edição: Barney Delleng. Fotografia: Edu Grau. Roteiro: Abi Morgan. Direção: Sarah Gavron. Elenco: Carey Mulligan, Helena Bonhan Carter, Meryl Streep.

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