“Labirinto de Mentiras” – Estratégias da amnésia

 Manter o extermínio na memória coletiva e punir os culpados para ele não se repetir são os temas deste filme do cineasta italiano Giulio Ricciarelli

 Tal como os desaparecidos no Brasil durante a ditadura civil-militar (1964/1985), os campos de extermínio pairam sobre a Alemanha. Mas enquanto segmentos da Justiça e da sociedade alemã enfrentaram as estruturas de poder que sustentaram o regime nazista, aqui lideranças civis e militares continuam a impedir qualquer localização dos chacinados e a punição de seus algozes. A saída para evitar o esquecimento, como se vê neste “Labirinto de Mentiras” é valer-se da memória e da denúncia.

Enquanto no Brasil cerca de 31 anos se passaram desde a queda da ditadura, lá as investigações se deram a partir de maio de 1958, portanto 13 anos após o fim da II Guerra Mundial. Uma pequena equipe, integrada pelo jovem promotor Johann Radmann (Alexander Fehling), mais um promotor e uma secretaria, coordenada pelo promotor-geral Fritz Bauer (Gert Voss), se concentrou no complexo de extermínio de Auschwitz, sul da Polônia. Nele atuaram oito mil agentes da SS (Serviço Secreto), que executaram 1,3 milhão de prisioneiros judeus (90%), poloneses, ciganos e soldados soviéticos.

O objetivo de Radmann era levar ao tribunal os agentes da SS e seus chefes Adolf Eichmann (1906/1962) e Joseph Mengele (1911/1979). Numa época em que o país vivia o boom econômico engendrado pelo governo Korand Adenaur (1949/1963), sob os auspícios do Plano Marshall, montado pelos EUA para erguer a Europa e se contrapor à expansão da União Soviética (1917/1991). Isto provocou a amnésia coletiva a impregnar jovens e adultos alemães, sobre o extermínio nos campos de concentração.

Nazistas continuaram nas estruturas de poder  

A punição aos carrascos e a tentativa de evitar o esquecimento são os principais eixos narrativos do filme, estruturado pelo cineasta italiano Giulio Ricciarelli e sua corroteirista Elisabeth Bartell, como um drama eivado de suspense. Toda ação se concentra em Radmann, com sua obsessão e energia, embora a impaciência e a ingenuidade o levem a confrontar-se com Bauer, por não diferenciar os jogos de interesses e a infiltração dos nazistas na estrutura político-econômica alemã.

O próprio promotor-chefe Haller (Johann von Büllow) se opunha à investigação por achar que faria os filhos desconfiarem dos pais e traria intranquilidade para a sociedade alemã. “Um julgamento será mortal”, assegura. A resposta de Bauer e sua firmeza o fazem refluir. “Pelo Contrário. Mortal é este silêncio. Mortal para a nossa jovem democracia”. Entretanto, os obstáculos interpostos a Redmann são tantos e tantos os nazistas descobertos por ele ao longo da investigação que se desnorteia.

Ele termina por cair nas graças de Haller e este o leva ao poderoso advogado Peter Mertens (Timo Dierkee), cujo escritório defende a agora camuflada burguesia nazista. E logo percebe as implicações de sua atitude e a clarividente advertência de Bauer. Tudo ali fere sua tendência à Justiça e seu combate aos culpados pelo extermínio em Auschwitz. Principalmente depois de o artista plástico Simon Kirsch (Johannes Krisch) lhe relatar o que Mengele fez às suas pequenas filhas gêmeas e a outras crianças.

 Mengele costurava gêmeos um ao outro

“(Ele) abria (o corpo) sem anestesia. Retirava os órgãos. Espetava agulhas na cabeça (da criança). Costurava os gêmeos uns aos outros, costas com costas, como siameses”. Redmann foi às lágrimas ao ouvir o relato de Kirsch. Porém, jamais conseguiu prender Mengele, que morreu afogado em Bertioga, litoral paulista, em 1979. Bauer, com o tempo, convenceu-o a se concentrar em agentes da SS ao alcance de ambos. E ele interrogou e incriminou 17 deles, inclusive o poderoso Mulka que se dizia apenas soldado, no julgamento que durou 20 meses, de 1963 a 1965.

Radmann, no entanto, ainda que solitário e insuscetível a evidências, teve a contribuição do jornalista Thomas (André Szymanski) e Bauer para atingir seus objetivos. Ricciarelli o constrói como um ser ambíguo, capaz de ir ao ápice ou de chafurdar na bebida, literalmente. Numa das sub-tramas do filme, ele se apaixona pela jovem estilista Marlene Wondrak (Friederike Becht), mas continua vendo nazista em todo canto. Daí advém sérios conflitos na já abalada relação amorosa deles.

Contudo, Ricciarelli não é ousado estética e dramaturgicamente, preferindo a linearidade, sem que isto seja depreciativo, enquadramento padrão, flashbacks com fecho, quando deveria deixar o espectador pensar se Radmann tem pesadelo ou se trata de confusão mental. Restam apenas algumas boas sequências: as duas finais de Radmann com Marlene, quando se atritam; Gnielka lhe dizendo ter sido soldado nazista em Auschwitz e ele, surpreso, entra em parafuso, e as de Kirsch sempre atormentado, como um bom personagem shakespeariano. No mais é um filme sem riscos.

Labirinto de Mentiras. (Im Labyrinth Des Schweigens). Drama/suspense. Alemanha. 2014. 123 minutos. Música: Niki Reiser/Sebastian Pille. Montagem: Frederick M.Dosch. Fotografia: Martin Langer/Roman Osin. Argumento: Elisabeth Bartell.Roteiro: Elisabeth Bartell/Giulio Ricciarelli. Direção: Giulio Ricciarelli. Elenco: Alexander Fehling, André Szymanski, Friederike Becht, Gert Voss, Johannes Krisch.

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