Libere pó de pirlimpimpim

“Crianças liam livros com o fôlego dos adultos e um bom texto valia mais do que mil imagens. Num certo sentido, houve mesmo um retrocesso”.

“Eu sou um livro livre que está aqui para quem me encontrar. Leve-me para sua casa e desfrute das histórias que levo comigo. Só peço que você me libere assim que terminar a leitura, para que outras pessoas possam também vivenciar a experiência que lhe proporcionei.”


 


A aparente despretenciosa citação é do Movimento Livro Livre, idéia quase simplória, mas de alcances pedagógicos e culturais incomensuráveis por compartilhar o prazer que a leitura pode proporcionar – “organizado por pessoas que crêem que a leitura, a troca de idéias e o desapego podem ser estimulados e exercitados através de uma idéia simples, mas poderosa: a liberação de livros em espaços públicos, com o poder de transformar cada cidade em uma biblioteca a céu aberto”.


 



Liberar livros é liberar pó de pirlimpimpim – pó mágico e imaginário que solta nossas fantasias, apenas pela força da imaginação. Não, não é um alucinógeno! Apenas um liberador de beta-endorfina, aquela que dá efeito de lua cheia e céu azul profundo repleto de estrelas, barulho de mar, de cachoeira – tudo ao mesmo tempo!  Adoro ler porque, de personalidade dionisíaca, permito, gosto e curto que as endorfinas inundem a minha vida. E não me reprimo. Eu as mereço. E gracias a la vida!


 


 


Lembram quando Emília, a boneca falante, encontrou o pó de pirlimpimpim, que nos leva para qualquer lugar do mundo, criado pelo sabugo de milho mais inteligente do planeta – o Visconde de Sabugosa, que aprendeu com as fadas – e foi direto para o Sítio do Pica-pau Amarelo? Releia “Reinações de Narizinho”  (1931), de Monteiro Lobato.


 


 


Em meu artigo “Livro livre”, digo: “Aprendi a ler aos seis anos. Sou uma leitora voraz desde então. Estou fascinada com o Livro Livre, em expansão em cidades da América Latina, Estados Unidos e Europa, a partir do desejo de compartilhar o prazer de ler. O Livro Livre mobiliza para uma ação individual (liberação de livros em espaços públicos) que gera um resultado coletivo (sensibilização para a leitura)” ( O TEMPO, 26.4.2006).


 


 


Relembrando o 23 de abril, Dia Internacional do Livro, e que quem libera um livro testemunha que a leitura é uma fonte de prazer a ser compartilhada, ouso dizer que sou um pouco de tudo que li e das “histórias de trancoso” (literatura oral) que ouvi – ainda a-do-ro ouvi-las, mesmo as que já sei decor e salteado.


 


 


O prazer de ouvir histórias é inesquecível e é pura purpurina… Logo, a idéia da liberação de livros em locais públicos bate em mim, que nunca ganhei um livro na infância, de forma tão fascinante, poderosa e avassaladora.


 


 


Carlos Alberto Castelo Branco, em “Livro bom é livro livre”, é categórico: “Tenho horror a livro preso em estantes e habitualmente pego todos os que li e gostei e transfiro para uma biblioteca pública, um asilo, uma escola. Acho que é uma forma de repartir o prazer que eles me deram e difundir, ainda mais, o nome dos autores”.


 



A professora Lígia Maria Moreira Dumont, em “Reflexões sobre o gosto na escolha da leitura de lazer: desfazendo preconceitos” (“Ciberlegenda”, nº 10, 2002), ressalta que “Bourdieu ainda aborda especificamente o prazer da leitura”. E cita Derrida, “que partilha do mesmo princípio: 'a leitura oferece antes toda uma exemplificação exemplar desse prazer da arte, desse prazer de amor à arte, onde, como todos os prazeres, ele não é fácil de falar'”.


 



A pedagoga Norma Leite Brandão, em “A eterna magia do pó de pirlimpimpim”, nos relembra os “tempos em que as crianças liam livros com o fôlego dos adultos e em que o bom texto valia mais do que mil imagens. Num certo sentido, houve mesmo um retrocesso”. Ousa dizer que “livro é viagem – exercita a imaginação –, é sonho, fantasia e conhecimentos”. É possível resgatar o pó de pirlimpimpim? Respondeu: “Ler e ouvir histórias sempre significou romper os limites da imaginação. No caso da saga das personagens de Monteiro Lobato, nada mais verdadeiro”, pois para ele “livro é sobremesa: tem de ser posto debaixo do nariz do freguês”.

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