Tempo conquistado, base para retomar iniciativa

É velho como a guerra, mas toda crise acaba sendo, também, um impulso, uma oportunidade.

No Brasil, o governo ganhou tempo mas situação segue grave. No horizonte de recuperar força política e sinalizar rumos que respondam à recessão galopante na economia, há muitas nuvens ainda. Essencialmente, há restrita margem de manobra da presidenta, dado o cenário internacional, dada a crise interna envolvendo política, economia, e base social.

O que há de novo é que um consenso progressivo dos setores conservadores em torno de uma pauta/agenda para o país recolocará pressão sobre mandato Dilma. Um embrião desse possível consenso foi apresentado pelo PMDB, com sua Ponte para o Futuro, radicalizando medidas liberais contra a Constituição cidadã de 1988 (na qual o papel do PMDB foi central), que levariam ao poeta indagar: “Se foi prá desfazer por que é que fez?”

Recordando: durante o governo Itamar, de transição, criou-se à margem do próprio governo um consenso, o do Plano Real – arquitetado ao tempo do Consenso de Washington. Foi uma avalanche que arrastou forças econômicas e sociais, abrindo no país a era neoliberal, a era de tentativa de enterrar a era Vargas (nas palavras do próprio FHC). Foi tudo muito rápido, ou seja, nas crises, saídas se encontram se se forja um consenso majoritário.

Aí mora o perigo. As forças conservadoras estão avançando na disputa política sobre a pauta da retomada do crescimento econômico. Na essência, a ideia de que esse Estado não cabe no Brasil, impõe-se “menos Estado”, às custas de um violento choque institucional para derrocar os “deveres do Estado e os direitos do Cidadão”. Daí que a pauta da dominância fiscal reina sobre o debate das saídas para a crise econômica.

Na Argentina, venceram. Aqui estão avançando na luta de ideias contra o projeto aberto em 2003.

Há grandes controvérsias sobre a situação econômica e as saídas para a crise, mesmo no campo da esquerda política e social. Já argumentei que o governo precisa aproveitar o tempo político ganho apresentando uma agenda concentrada de pontos para fazer convergir expectativas e reunir forças.

Apontei como exemplo para a virada da página do ajuste, promovendo arrecadação e não cortes como por meio da CPMF partilhada com os estados e municípios, repatriação de capitais alimentando o fundo do ICMS dos Estados, autorização para crédito dos Estados, algum estímulo econômico como por exemplo crédito popular. E, muito importante, acelerar o acordo de leniência das empresas afetadas com a Operação Lava a Jato.

Isto posto, se houver terreno para a base social ficar na defensiva perante a recessão, o desemprego, a queda salarial, tudo ficará mais difícil de sustentar. Ao contrário, é preciso disputar a pauta dos caminhos para a retomada do crescimento econômico. Melhor dizendo, trata-se de consensuar novos caminhos para avançar no projeto nacional de desenvolvimento, dado que se esgotou uma etapa (vitoriosa) percorrida até 2014.

Mais a curto prazo, a questão é sinalizar a repactuação de condições para a retomada de investimentos públicos e privados (muitos já apresentados: petróleo e gás, logística e infraestrutura, etc), promover proteção nacional e pautar a reindustrialização do pais. No horizonte estarão medidas de reforma tributária e a expectativa de um salto em educação e inovação para alimentar a produtividade e competitividade da economia brasileira.

Na confluência desses diferentes tempos, são centrais a retomada da queda dos juros e a sinalização de estabilidade para um câmbio que torne a estimular a indústria e a exportação. Pode-se até admitir, nessas bases, uma âncora fiscal planejada, com tempo mais dilatado para alcançar metas, utilizando também as reservas cambiais para sinalizar não explodir a trajetória dívida pública como proporção do PIB.

Seguir adiante é possível, aliás é uma exigência. No fundo, a questão é relativa às reformas estruturais, reformas de Estado, não na direção de torpedear seu papel indispensável como indutor do desenvolvimento, enfraquecendo a capacidade autônoma da nação, mas ao contrário, fortalecendo-o como elemento indispensável para fazer frente à difícil correlação de forças do poderoso capital financeiro globalizado.

É preciso ousadia para ocupar o tempo conquistado com a força de governo e apresentar iniciativas – políticas, econômicas e sociais – que sinalizem as forças de sustentação do projeto em curso rumo à nova etapa. É preciso vender futuro! No mínimo, isso reavivará as forças sociais fundamentais a quem esse projeto representa: os interesses dos trabalhadores e do povo mais necessitado, os interesses nacionais e o imperativo da democracia.

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