A voz de Lawrence da Arábia 

A propósito dos recentes atentados em Paris, França, lembrei do arqueólogo e aventureiro britânico Thomas Edward Lawrence, fundamental na derrota otomana na 1ª Guerra Mundial (1914/18). Não se justifica atos como os ali praticados, mas ouvir a voz deste homem pode ajudar a entender melhor a atual conjuntura do Oriente Médio.

Lawrence falava árabe e se trajava de beduíno desde antes de se alistar no exército britânico e se juntar aos povos do deserto pra combater a aliança da Turquia com a Alemanha. Seu papel foi ajudar a unificar as guerrilhas em torno da promessa britânica de que aquelas nações se tornariam independentes, se vitoriosas no conflito.

Vencida a guerra, contudo, o Reino Unido e seus aliados, inclusive a França, deram uma banana aos libertadores e lotearam o Oriente Médio em novas colônias.

Desiludido, o herói rasgou a farda e se recolheu. Ao se exonerar, entregou a farda literalmente rasgada. Mas escreveu tudo em suas memórias, no livro “Os Sete Pilares da Sabedoria”, que ele assinou como T.E. Lawrence. A obra serviu de base ao filme “Lawrence da Arábia”, de 1962, do cineasta britânico David Lean, com quase quatro horas de duração e um magnífico desempenho do ator Peter O’Toole.

– II –

Lawrençe da Arábia morreu desgostoso, em 1935, aos 47 anos, num acidente de moto proposital. Se vivo estive, teria presenciado muitas desgraças que não queria ver. Uma delas, mais recente, foi a invasão do Iraque, em 2003, que já provocou milhares de mortos no conflito e na guerra-civil lá estabelecida. Pior ainda: além da mortandade, desde então mais de um milhão de crianças iraquianas nasceram deformadas, como efeito das armas químicas lá usadas pelas tropas dos EUA e seus aliados na OTAN, França inclusive.

– III –

Em seu livro “Os Sete Pilares da Sabedoria”, T.E. Lawrence relata quão gananciosos e truculentos são os agora membros da OTAN, inclusive a França, no Oriente Médio. Sem nenhuma sabedoria e muito menos visão humanitária.

Se vivo estivesse, Lawrence da Arábia demonstraria que as incursões das potências ocidentais na região sustentam a indústria bélica, que tem poder econômico e elege governos também poderosos, em suas bases. Segundo o SIPRI (Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo), mantido pelo parlamento sueco, só nos EUA duas mil empresas têm lucros astronômicos com o “combate ao terror”.

– IV –

T.E. Lawrence demonstrava o quanto a História é implacável. Quem planta aqui, colhe acolá. Um exemplo é o da derrubada do governo democrático do primeiro ministro Mohammed Mossadegh, do Irã, em 1953. Foi quando ele nacionalizou a Anglo-American Oil Company, uma das sete irmãs do petróleo.

Segundo Stephen Kinzer, correspondente do The New York Times na região por mais de uma década, o revés no Irã foi coordenado pela CIA, o serviço secreto ianque. O sangrento golpe entronou o xá Reza Pahlevi por 25 anos, uma ditadura conhecida pela sua truculência. Pra tirá-lo do poder, os iranianos tiveram que recorrer à religião dos aiatolás.

– V –

Agora, temos o conflito na Síria, uma guerra civil criada há quatro anos pelos mesmos países da OTAN. No caso, não se trata de uma republiqueta qualquer, onde a invasão de tropas ou mesmo bombas lançadas à distância passem batido. No início da guerra, o país tinha 22 milhões de habitantes, com uma economia diversificada, que inclui parque industrial, agropecuária e infraestrutura turística modernas.

Damasco, a capital, é uma espécie de Brasília, ou seja, uma cidade que é sede do governo e oferece serviços, como o turismo, com 2,7 milhões de habitantes. A São Paulo de lá seria Aleppo, que concentra a atividade econômica e é também o centro urbano mais populoso, com 3,2 milhões de habitantes.

As forças armadas, bem equipadas, estão sob controle do Baath, o partido do presidente Bashar al-Assad, que foi eleito pela primeira vez no ano 2000, quando morreu seu pai, Hafez al-Assad. Este governou o país desde 1970, quando pôs fim a um suceder de golpes militares e conflitos internos. Seu governo manteve uma postura laica, autônoma, mas chegou a apoiar os EUA em ações na região.

Pra retirar Assad do poder, alegam que, embora eleito em pleito direto, ele seria um ditador, e que mantém armas nucleares. São duas características, por exemplo, de seus vizinhos Israel e Arábia Saudita, com a diferença de que esses dois países são aliados dos EUA, França e demais países da Otan. Podem tudo, pois.

De todo jeito, não fosse a aliança que mantém com a Rússia, muito provavelmente seu território já teria sido invadido diretamente pelas potências ocidentais. Além de manter uma histórica base militar em solo sírio, o governo russo impede armações desfavoráveis ao país em fóruns internacionais.

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