Gênesis da cultura golpista

A classe dominante da sociedade capitalista, a burguesia, bem como as camadas médias que ilusoriamente aspiram à condição de burguesia – daí o termo sociológico de pequena burguesia que lhes emprestam – nunca teve respeito pela democracia. Recorrem a essa retórica, geralmente combinada com um falso moralismo repugnante, para ganhar simpatia popular e assim obter apoio para a suas teses reacionárias.

Não é sequer original. Repete, no fundamental, a mesma tática e recorre aos mesmos métodos já conhecidos mundo afora. A defesa de reformas, dos “valores familiares” e combate a corrupção são uma espécie de lugar comum nessa plataforma demagógica que levantam. O caos econômico e a instabilidade política são o fermento sem o qual as camadas populares não me mobilizarão.

Dentro dessa tática é imprescindível um porta voz com alguma credibilidade para levar essa plataforma antidemocrática adiante. No passado quem cumpriu esse papel foi Carlos Lacerda, udenista do Rio de Janeiro e serviçal da CIA americana no Brasil.

Hoje a direita se ressente dessa “cara” e de um “ambiente”. Seus principais representantes estão envolvidos em escândalos de corrupção, o que fragiliza a retórica moralista; a gestão desastrosa que fizeram a frente do país ainda é muito recente para que as pessoas não façam comparações. Assim, apesar das agências de rating forçarem a mão, é pouco provável que alguém sério considere que um país está na “eminência de quebrar” tendo saldo na balança comercial, reserva cambial de 370 bilhões de dólares, autossuficiente em alimentos e recursos naturais diversos.

A direita procura compensar essas limitações subjetivas com uma agressividade quase unanime dos meios de comunicação, de parcela dos órgãos de controle e do judiciário, bem como do mundo político. Mas o governo tem meios e formas de reagir, como alias acaba de demonstrar, o que tem dificultado a sanha golpista.

Na obra Sociedade e Política no Brasil, publicada em 1973, o sociólogo Gláucio Soares analisa o desenvolvimento, as classes sociais e a política durante a Segunda República, no período que vai de 1945 a 1964.

Analisando as consequências da Revolução de 30 e da queda do getulismo em 1945, ele conclui que a “política oligárquica não foi sucedida por uma política democratizada, com ampla participação de setores e classes menos privilegiadas”.

Lembra, ademais, que persistiu a distribuição desigual da propriedade e um sistema de valores claramente classista, onde as pessoas que ocupavam posições altas e médias continuaram a gozar de maior prestígio que as demais, sendo de salientar que essa diferenciação era aceita por amplos setores das classes populares.

E a propósito do golpe de 64 afirma que, apesar da instabilidade em que vivia o país, “essa situação não provocaria um golpe de estado se as classes médias e a UDN acreditassem no princípio democrático”.

Mas, sustenta, “as classes médias e a sua maior representante, a UDN, paladina da democracia liberal no Brasil, no fundo defendem um modelo de democracia com participação restrita, que havia sido proposto pela primeira vez quarenta anos antes pelos tenentes e reiterado nos manifestos do Clube 3 de Outubro. Muitos dos antigos tenentes agora eram generais que, acionados politicamente pelos conservadores e socialmente pelas classes médias, interromperam pela força o Governo Goulart”.

Esse retrato, sem retoques, revela que o movimento golpista do presente, encabeçado pelo PSDB, tem raízes históricas, corresponde a uma prática política autoritária a qual as classes dominantes sempre recorreram quando seus interesses são contrariados e ou o poder político, por qualquer razão, não está sendo exercido diretamente por um dos seus.

Correspondente à cultura da classe dominante, segundo a definição de Edward Burnett Tylor (1832-1917), na qual “cultura ou civilização é aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem na condição de membro da sociedade”.

Assim, assistir passivamente a essa escalada golpista, é mais do que cumplicidade com o viés autoritário dessa direita que tenta golpear o estado democrático de direito. Essa passividade representa, também, ignorância histórica da prática da direita e completo desprezo pela construção de uma nova sociedade, baseada no principio da soberania, solidariedade e tolerância com as opiniões divergentes.

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