“O Clube”, enganosas aparências

Cineasta chileno Pablo Larrain usa a polêmica sobre a pedofilia na Igreja Católica para questionar dogmas e apontar os limites da insanidade humana.

Não sem razão, este “O Clube” dá a falsa impressão de ser mais uma versão da polêmica sobre homossexualismo e pedofilia na Igreja Católica. (A Dúvida, de John Patrick Shanley, 2008, “Além das Montanhas, de Cristian Mungiu, 2012). Embora o cineasta chileno Pablo Larrain os mencione, está mais interessado nas imposições do celibato e da castidade que levam à repressão do desejo e do prazer, gerando controvérsias.

São eles que norteiam os entrechos, o encadear da narrativa, o clima expressionista no qual mergulham os quatro idosos padres e uma freira para expor as razões de viverem reclusos num sobrado da colina de La Boca, no Chile. Em cada depoimento deles ao padre Garcia (Marcelo Alonso), enviado por seus superiores para investigá-los, emergem justificativas teológicas, atrações pelo mesmo sexo, certeza de que agiram por amor ao outro, sem medo de culpa ou punição da Igreja.

Numa das sequências, frente a frente, o padre Ortega (Alejandro Goic) acusa Garcia de não o entender, por não ter vivido tal paixão. De ser acostumado a viajar de primeira classe e se hospedar em hotéis de luxo, num confronto de hierarquia, de privilégios. Vertente na qual Larrain (No, 2013) trata das diferenças de classe e de castas na Igreja Católica enquanto Estado. Salvo por Ramires, o mais humilde deles, ao contar em detalhes o que ocorria às escondidas, todos repetem o já mencionado.

“O desejo não tem sexo”

O fato detonador das investigações é o suicídio do também idoso padre Matias Lazcano (José Soza), no dia em que chegou ao sobrado. É através dele que os demais são avaliados e julgados por Garcia. Existe a prova do “pecado”, do qual nenhum deles se arrepende. É disto que trata Larrain: do que nem o celibato, nem a castidade evitam. O “desejo não tem sexo”, inexistindo razão para reprimi-lo, seja lá a forma que assumir. “O que houve foi amor, na forma mais pura”, assume o acusado Ortega.

E Larrain entra na questão central para a compreensão desta questão. A castidade surge no Sínodo de Elvira em 304 DC como forma de reprimir o livre exercício do desejo e do prazer com o sexo oposto ou com o mesmo sexo. E séculos adiante, em 1073, o Papa Gregório VII impôs o celibato para evitar disputas e guerras entre cardeais, bispos e padres pela manutenção de suas propriedades e de seus herdeiros. Mas foi também uma forma de o Vaticano, enquanto Estado, submeter fiéis ou não, da Idade Média ao século XXI.

Então, Larrain ao invés de encenar seus personagens se lacerando, chicoteando, rezando e pedindo perdão, prefere mostrá-los se digladiando com o “inquisidor” Garcia, apontando nele carências de corpo, amor e desejo. Assim as virtudes da tolerância se evidenciam, como na sequência em que o jovem Sandokan (Roberto Farias), ex-amante de Lazcano, revela sua paixão pelo falecido, levando Garcia a entendê-la sob outra ótica.

Vítima da pedofilia pode se fragilizar

É como se Larrain desse voz à criança antes vista como vítima. Mesmo assim, ele e seu corroteirista Guilhermo Calderón ao fazê-lo não deixam de apontar as consequências para a criança ou o/a adolescente. Ela/e pode se tornar, também, como Sandolkan, um adulto traumatizado, fragilizado psicológica e sexualmente, carente de atenção, afeto e proteção. E além disso não diferenciar o prazer com o homo ou o hétero.

É por meio dele que Garcia compreende o impasse em que se encontra. Além de uma vítima, Sandokan, cujo culpado não pode julgar, encontra várias falhas na administração do Clube. E culpa os padres e a freira Mônica (Antonia Zegers) pelos danos, proibindo-os de continuar a viver como antes e, inclusive, à custa de corrida de cães. Mônica então negocia uma saída com ele e assume o comando, para evitar a drástica punição.

Os religiosos, antes tomados pela fé, se transformam em feras, mostrando a capacidade de o ser humano retornar ao primitivismo. As sequências das cruéis execuções dos cães são puro terror e irracionalidade. Nem Garcia, nem Mônica hesita, diante da draconiana escolha entre a perversidade e o fechamento do Clube, como punição.

Garcia impõe a inquisição

O espectador se vê diante de cenas de inquisição, que atestam a ânsia de Garcia para se justificar perante seus superiores. É um homem tomado pela racionalidade e o pragmatismo, pouco importa as razões dos considerados “culpados”. O equilíbrio então se concentra na freira, cujo instinto de sobrevivência advém de sua experiência como mãe adotiva de criança africana, que, ao perdê-la, se entregou à Igreja.

Além disso, o filme é dominado pela sensação de incompletude, de dogmas a serem substituídos por novas configurações de casais, de pais e mães solteiros, de opções sexuais, fora da caixa medieval. O achando de Larrain é mostrar o quanto o poder da Igreja exige inúteis sacrifícios, convencendo o espectador de que, por enquanto, só há perdedores.

O Clube. (El Club). Drama. Chile. 98 minutos. 2015. Montagem: Sebastián Sepulveda. Música: Carlos Cabezas. Fotografia: Sergio Armstrong. Roteiro: Guilhermo Calderón/Daniel Villalobos/Pablo Larrain. Direção: Pablo Larrain. Elenco: Marcelo Alonso, Antonia Zegers, Roberto Farias, Alejandro Goic.

(*) Festival de Berlim 2015. Urso de Prata. Grande Prêmio do Júri.

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