Barco Solar: uma tecnologia sustentável

O objetivo básico da ciência e da tecnologia é superar os obstáculos sociais que nos é imposto, desenvolver mecanismos que possa utilizar os recursos naturais de forma sustentável e elevar o padrão de vida da população. No Brasil, compete ao Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI) a coordenação e execução dessa política.

O barco movido a energia solar, que entregamos a população do Pará no dia 02 de outubro, é a expressão prática dessa política. Soma-se a saga vitoriosa da humanidade sobre a face da terra, na qual ela enfrentou e superou tragédias, guerras, epidemias e todo tipo de obstáculos que a natureza ou a sociedade lhe impôs. E, graças ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia, fez com que chagas que no passado dizimaram milhões de pessoas hoje não passem de recordação sombria.

A tecnologia, todavia, não é boa nem ruim. É ciência. Seu uso e aplicação é que pode ser benéfico ou maléfico. A tecnologia que desvendou os mistérios da fissão nuclear e possibilitou inúmeras aplicações benéficas é a mesma que possibilitou aos americanos desenvolverem a bomba atômica e destruirem duas cidades japonesa.

Assim, como é fácil perceber, nem sempre o desenvolvimento das forças produtivas se deu em bases sustentáveis. A preocupação com a questão ambiental é relativamente recente. E por paradoxal que possa parecer foi precisamente o lançamento da bomba atômica sobre Hiroshima e Nagasaki que levou a humanidade a perceber que havia atingido um padrão tecnológico capaz de se autodestruir várias vezes.

Todavia, a interpretação mecânica dessa nova realidade fez surgir um grupo de ativistas, os santuaristas, argumentando que os recursos naturais haviam chegado ao limite e que era preciso, portanto, decretar uma moratória radical, impedindo o uso de qualquer recurso natural. Faziam ressurgir o neomalthusianismo.

O produtivismo foi a contraposição natural ao santuarismo, sustentando que os recursos eram infinitos ou, no limite, poderiam ser substituídos por produtos similares, naturais ou processados. A expressão de que “a idade da pedra acabou não por falta de pedras, mas pelo surgimento de uma nova tecnologia”, atribuída a um xeique árabe, traduz o pensamento básico dessa corrente teórica.

Enquanto essas duas concepções metafísicas se digladiavam, surgiu a corrente sustentabilista demonstrando que, de fato, todo recurso natural é finito, mas que esses recursos podem perfeitamente ser manejados com sustentabilidade. Demonstravam, ainda, que a predação ocorre tanto pela ação antrópica quanto por fenômenos naturais.

Sustentabilidade aqui entendida não como sinônimo de preservação florestal, mas como todo e qualquer processo que busque reduzir a dependência política, econômica e ou cultural; como um processo social em que os atores locais tenham relativa autonomia nas tomadas de decisão para o seu pleno funcionamento; onde o processo produtivo necessite da matéria prima local e seja capaz de, através de seu uso adequado, não apenas tornar duradouro seu manejo, mas assegurar a elevação do padrão socioeconômico da sociedade envolvida; e que, consequentemente, respeite o grau de conhecimento, organização e capacidade produtiva da sociedade envolvida.

O barco solar, como é fácil perceber, preenche plenamente esses pressupostos. Será manejado por uma população com longa tradição fluvial e total governança sobre o processo. O abundante sol equatorial será seu combustível, assegurando abastecimento, portanto, por um longo período. Haverá, consequentemente, redução de despesas e, por decorrência, elevação do padrão de renda dessas pessoas.

Isso em escala experimental, comunitária. Imaginemos na escala industrial quando milhares de barcos movidos a energia solar – e também ônibus que igualmente estamos desenvolvendo – estiverem sendo usados em larga escala no transporte escolar, escoamento de produção e todos os demais meios de transporte. A economia será tanto financeira quanto ambiental pela elevada redução da emissão de gás carbônico (CO2).

A economia com combustível proporcionada por um barco solar em relação a um barco convencional com uso diário de 5 horas, por exemplo, se situará na faixa de 30 a 35 mil reais/ano. Uma frota de 100 e 1.000 barcos economizará, portanto, nada menos do que 3,5 ou 35 milhões por ano, respectivamente.

O barco solar é, portanto, uma contribuição concreta que a ciência e a tecnologia oferecem no esforço de demonstrar que não há desenvolvimento sem sustentabilidade e nem sustentabilidade sem desenvolvimento, especialmente num momento em que o mundo cobra soluções sustentáveis em todos os seus procedimentos.

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