Vaidade

Um amigo me confidenciou que estava triste e chateado porque teve um papel, segundo ele, protagonista na criação de uma entidade e para a solenidade de posse da nova diretoria, fora convidado sem nenhum destaque. Ponderei com ele que talvez no momento do evento, justiça lhe fosse feita. Ele se animou um pouco e me perguntou: Será que estou sendo vaidoso?

Fiquei pensando na pergunta e resolvi coletivizar com vocês uma reflexão.

O orgulho é a consciência (certa ou errada) de nosso próprio mérito, a vaidade, a consciência (certa ou errada) da evidência de nosso próprio mérito para os outros. Um homem pode ser orgulhoso sem ser vaidoso, por ser ambas as coisas vaidoso e orgulhoso, pode ser – pois tal é a natureza humana – vaidoso sem ser orgulhoso. (1)

É difícil à primeira vista compreender como podemos ter consciência da evidência de nosso mérito para os outros, sem a consciência de nosso próprio mérito. Se a natureza humana fosse racional, não haveria explicação alguma. Contudo, o homem vive a princípio, uma vida exterior, e mais tarde interior; a noção de efeito precede, na evolução da mente, a noção de causa interior desse mesmo efeito. O homem prefere ser exaltado por aquilo que não é, a ser tido em menor conta por aquilo que é. É a verdade em ação. (2)

A vaidade é humana, demasiadamente humana! Eis um pleonasmo necessário. Sim, porque muitas vezes são precisamente tais características as que menos se tornam objeto de nossas reflexões – e não me refiro aos exercícios mentais filosóficos, sociológicos, etc., mas sim à atitude que, me parece, deveria pautar nossas ações cotidianas. Comecemos por assumir que, em menor ou maior grau, somos vaidosos. Já os antigos, com o mito de Narciso, ensinaram que o desejo desenfreado em atrair a admiração produz consequências trágicas. No limite é uma demonstração de sandice. (3)

É incrível como, mesmo diante de situações nas quais a vaidade não faz qualquer diferença, os homens e mulheres não conseguem se livrar deste sentimento. Durante muito tempo acreditei que a morte nos igualava. “Pelo menos isso!”, pensava. Hoje, após observar cemitérios particulares, tenho consciência de que a sociedade produz desigualdades, no pensar, que extrapolam o caráter da finitude humana.

Max Weber observou que a vaidade pode levar o político a cometer um dos erros fatais: se abster de assumir uma causa e/ou do sentimento de responsabilidade. Se o político está sujeito à vaidade, o intelectual (esportista, artista) padece da mesma doença. “A vaidade é um traço comum e, talvez, não haja pessoa alguma que dela esteja totalmente isenta. Nos meios científicos e universitários, ela chega a constituir-se numa espécie de moléstia profissional”, sentencia Weber. Não obstante, ele é condescendente com os pares, pois considera que a vaidade do intelectual não oferece tanto risco à sua atividade quanto a que acomete o político: “Contudo, quando se manifesta no cientista, por mais antipatia que provoque, mostra-se relativamente inofensiva, no sentido de que, via de regra, não lhe perturba a atividade científica”. Será?! Para o estudante ou o colega que tem que suportar a vaidade desmedida, talvez seja o oposto que ocorra. Imaginem quando além de intelectual (artista / esportista) é também político?

O fato é que esta “espécie de moléstia profissional” grassa em nosso meio. E as pessoas sensatas talvez se perguntem: por quê? Há, inclusive, o ingênuo que candidamente imagina que este tipo de comportamento é algo contraditório com o espírito culto que, em tese, permeia a universidade. “Como é possível? se pergunta. Ele tem a esperança de que os colegas, através do diálogo e da persuasão, superem as influências nefastas que os fazem agir incivilizadamente. Todavia, observe-se que mesmo este tipo de ingênuo padece da mesma “espécie de moléstia profissional”: na essência sua postura é prisioneira de uma vaidade enrustida numa pretensa humildade; é uma atitude idealista, no sentido de que desloca a universidade – e os que nela trabalham – da realidade social na qual está inserida; é elitista porque, no fundo, se imagina como partícipe de um mundo constituído por seres especiais, dotados de moral e cultura superiores e capazes de escapar às futilidades humanas. Este personagem não se reconhece no mundo real e se escandaliza porque seus pares não representam o mundo imaginário do Olimpo. É vaidoso e talvez não o saiba, assim lhe parece natural sentir-se superior!

Se a vaidade é humana, não é possível compreendê-la apenas pelo senso comum. A Sociologia pode contribuir. Talvez seja um bom começo para não repetirmos o que reprovamos nos outros. Mudar de atitude é importante. No mais é necessário muita, muita paciência!

Notas

(1) Fernando Pessoa “Vaidade e Orgulho”

(2) Antônio Ozai “Vaidade das Vaidades”

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