Financiamento de campanhas 

Na luta titânica que se trava no Brasil entre Oposição e Governo, a todo momento surge, não raro, com equívocos, argumentos que tentam contestar ou defender posições. Por vezes as posições defendidas por uns hoje foram rechaçadas pelos mesmos num passado recente. Assim é a luta travada com ares de guerra eleitoral mascarada como um terceiro turno que me parece ainda distante de um epilogo.

A oposição de direita/midiática “coadjuvada” por esquerdistas com uma honrosa exceção utiliza-se de tudo o que pode (e o arsenal é grande) para enfraquecer ainda mais o governo da Presidente Dilma. Os que apoiam o governo nem sempre detém uma postura adequada no sentido de elevar o debate e assim tornar mais nítido, em termos propagandísticos, as diferenças entre o governo atual, como continuidade diferenciada dos últimos 12 anos e dos antecessores. Em especial o governo do FHC que causou estragos inomináveis ao país com sua conduta verdadeiramente irresponsável e submissa a interesses externos

É nesse contexto contaminado que se debate a questão do financiamento de campanhas, que por esses dias teve uma decisão importante do STF declarando inconstitucional o financiamento por parte de pessoas jurídicas(empresas). Mim parece óbvio que a proibição não é nem de longe a panaceia que alguns julgam. Embora o maniqueísmo torcedor tenha-se tornado comum de parte a parte.

Quando se fala do financiamento de campanha no Brasil, logo vêm à cabeça escândalos de corrupção e notícias sobre “caixa dois”. Entretanto, o estudo sobre a legislação desta matéria mostra que, há mais de meio século, existem iniciativas para corrigir irregularidades relacionadas às finanças eleitorais. Ao longo desse tempo, identificam-se problemas que têm ameaçado o financiamento das campanhas; seu encarecimento, a desigualdade na disputa eleitoral, a influência indevida e o abuso do poder econômico, a vulnerabilidade de candidatos eleitos perante seus financiadores e a falta de transparência são desafios em evidência na discussão do tema Ainda em 1945, definiu-se a primeira proibição, comum em vários países, sobre fontes de financiamento partidário para quaisquer contribuições de origem estrangeira. O Código Eleitoral de 1950 proibiu quaisquer recursos provenientes de sociedades de economia mista e de concessionários de serviço público, além de doações de anônimos. O fato é que negar que num sistema capitalista as eleições despertam interesses de empresas nacionais, estrangeiras e multinacionais pela política do país. O que se discute ao longo dos anos é que tal interesse, sem regulação, pode acarretar intervenções indevidas dessas organizações, nas eleições, por meio do financiamento de candidatos e partidos que pudessem lhes beneficiar de algum modo.
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Simultaneamente à democratização do país, houve o avanço considerável da esquerda no mundo e, em consequência, o início da Guerra Fria. No Brasil, registrou-se de forma ainda mais intensa movimentação na política nessa direção, contida pelo golpe de 1964. “O receio do crescimento do “comunismo” levou à criação de grupos de ação política de direita, sendo um dos mais famosos o Ibad (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), organizado por empresários nacionais e estrangeiros com o intuito de apoiar eleitoralmente grupos anticomunistas.” (1) A ligação desses grupos com empresários estrangeiros foi um dos fatores determinantes para a proibição às doações de empresas privadas pela Lei Orgânica dos Partidos Políticos (LOPP) de 1965. (2)

Na revisão dada à LOPP, em 1971, as vedações recaíram sobre recursos de autarquias, de empresas públicas e de fundações instituídas em virtude de lei e para cujos recursos concorressem órgãos ou entidades governamentais; ademais de contribuições de entidades de classe ou sindical. O nacional-desenvolvimentismo, que caracterizou os anos de 1950 e de 1960, teve como atributo a forte presença do Estado na economia. A multiplicação de empresas públicas e da máquina administrativa passou a ser vista como ameaça para a competição eleitoral porque os candidatos à reeleição, ou aqueles da situação, poderiam obter vantagem nas disputas se os recursos públicos dessas instituições fossem desviados em benefício deles. Os sindicatos também recebiam recursos públicos por meio da “contribuição sindical” (3), o que justificaria a proibição às doações sindicais

As mudanças no padrão da competição, mais intenso com o retorno do multipartidarismo operante em 1982, e no modo de conduzir as campanhas vieram com o fim da censura e da consolidação do uso da televisão e das pesquisas eleitorais. Assim, a redemocratização “implicou” a necessidade de mais recursos a fim de que os candidatos realizassem suas campanhas, além de evidenciar a insuficiência dos recursos próprios dos candidatos, de pessoas físicas e dos partidos para cobrir a nova demanda, o que abriu, em definitivo, o caminho para as contribuições empresariais.

No entanto, as doações de empresas permaneceram proibidas até o impeachment do presidente Fernando Collor de Melo. Os depoimentos à CPI que antecedeu esse fato marcaram a caracterização da legislação que proibia os aportes privados de empresas como “hipócrita” (4). Por isso, também, as vedações às origens do financiamento privado passaram a valer, explicitamente, não só para os partidos, mas para os candidatos a partir de 1993. É importante assinalar que a lista de doações proibidas aumentou, ao incluir os recursos provenientes de: entidade de direito privado que recebesse, na condição de beneficiária, contribuição compulsória em virtude de disposição legal; entidade de utilidade pública; pessoa jurídica sem fins lucrativos que recebesse recursos do exterior e; permissionário de serviço público. Ainda assim, as doações de empresas contratadas pelo Estado – empreiteiras, por exemplo – continuaram permitidas (5).

A atenção às doações privadas para campanhas se justificou, em grande parte, por aquele escândalo envolvendo o presidente Collor. Contudo, novas vedações apareceram na legislação em 2006. Foram acrescentados, às proibições, os recursos de: entidades beneficentes e religiosas; entidades esportivas ou organizações não governamentais (ONGs) que recebessem recursos públicos; e organizações da sociedade civil de interesse público.

Tais restrições responderam a uma série de escândalos parlamentares que assolaram o país em 2005. Esquemas eleitorais previam repasses de verbas públicas para ONGs, os quais eram condicionados à contrapartida do financiamento de determinados candidatos em eleições futuras.(6). Já a proibição para as contribuições das entidades religiosas ocorreu no momento de expansão da bancada evangélica no Congresso. Esse tema foi destaque nos noticiários da campanha do senador Marcelo Crivella (PRB) à prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, em 2008 (O Globo, 31 ago. e 21 set. 2008).

Como visto, a estratégia proibitiva de regulação das receitas eleitorais prevaleceu por quase 50 anos no Brasil. Porém, esse período foi marcado pela polarização da política nos planos internacional e interno. O escândalo sobre o financiamento das eleições de 1962 pelo IBAD, envolvendo o combate ao “comunismo”, e a tensão sob o bipartidarismo entre governistas (a favor do regime militar) e oposicionistas evidenciaram um cenário no qual as contribuições de campanha tiveram como um dos objetivos principais o de desequilibrar a disputa eleitoral a favor de um lado. A solução aplicada durante o período foi restringir, quase totalmente, o financiamento privado de partidos e campanhas, à exceção das doações de indivíduos e dos recursos próprios de candidatos e partidos.

Agora a decisão do STF, ao meu ver justa, praticamente obriga o veto presidencial ao item da “reforma” eleitoral que foi aprovada pela Câmara Federal, já que sendo inconstitucional não terá validade tal autorização. Contudo como a luta política segue e o governo segue com muitas dificuldades há sobre a mesa da casa legislativa a proposta de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que autoriza e permite tais contribuições.

Como se vê, segue para o próximo round a batalha de tentar enfraquecer mais a Presidente e a base de apoio, por sua vez, tenta resistir, confesso, que nem sempre com o melhor argumento.

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