Torcedores e militantes 

Nos momentos de crise, considero ocorrer mais militantes se comportando como torcedores. Claro que isso não é uma regra, nem tão pouco uma avaliação de caráter cientifico. Mas uma percepção pessoal que evidentemente não agradará nem um pouco aqueles que se comportam como tal.

O militante é aquele ou aquela se guia pela razão e entende que mesmo que a emoção seja parte integrante de sua ação cotidiana, se esforça permanente, para seja a sua razão, produto de sua consciência avançada que determine suas ações, atitudes e palavras.

Frei Beto, divulgou um texto anos atrás que eu reproduzo aqui alguns trechos que ilustram, em minha opinião, de forma simples e compreensível o que é militar e ser de esquerda. Acrescento observações minhas. Mas repito que não se trata de uma receita, mas uma base para que todos nós possamos nos auto avaliar pacientemente e seguir em especial nesses momentos de crise, firmes nos nossos sonhos:

– Mantenha viva a indignação.

Verifique periodicamente se você é mesmo de esquerda. Adote o critério de Norberto Bobbio: a direita considera a desigualdade social tão natural quanto a diferença entre o dia e a noite. A esquerda encara-a como uma aberração a ser erradicada.

Cuidado: você pode estar contaminado pelo vírus socialdemocrata, cujos principais sintomas são usar métodos de direita para obter conquistas de esquerda e, em caso de conflito, desagradar aos pequenos para não ficar mal com os grandes.

– A cabeça pensa onde os pés pisam.

Não dá para ser de esquerda sem "sujar" os sapatos lá onde o povo vive, luta, sofre, alegra-se e celebra suas crenças e vitórias. Teoria sem prática é fazer (na prática) o jogo da direita.

– Não se envergonhe de acreditar no socialismo.

O escândalo da Inquisição não fez os cristãos abandonarem os valores e as propostas do Evangelho. Do mesmo modo, a derrota estratégica do socialismo no Leste europeu não deve induzi-lo a descartar o socialismo do horizonte da história humana. O capitalismo, vigente há 200 anos, fracassou para a maioria da população mundial. Hoje, somos quase 7 bilhões de habitantes. Segundo o Banco Mundial, 2,8 bilhões sobrevivem com menos de US$ 2 por dia. E 1,5 bilhão, com menos de US$ 1 por dia. A globalização da miséria só não é maior graças ao socialismo chinês que, malgrado suas peculiaridades, algumas de difícil compreensão e seus erros “malabarismos” teóricos, assegura alimentação, saúde e educação a 1,2 bilhão de pessoas.

-Seja crítico sem perder a autocrítica.

Muitos militantes de esquerda mudam de lado quando começam a catar piolho em cabeça de alfinete. Preteridos do poder, tornam-se amargos e acusam os seus companheiros(as) de erros e vacilações. Como diz Jesus, veem o cisco do olho do outro, mas não o camelo no próprio olho. Nem se engajam para melhorar as coisas. Ficam como meros espectadores e juízes e, aos poucos, são cooptados pelo sistema.

Autocrítica não é só admitir os próprios erros. É admitir ser criticado pelos(as) companheiros(as).
– Saiba a diferença entre militante e "militonto".

"Militonto" é aquele que se gaba de estar em tudo, participar de todos os eventos e movimentos, atuar em todas as frentes. Sua linguagem é repleta de chavões e os efeitos de sua ação são superficiais.
O militante aprofunda seus vínculos com o povo, estuda, estuda, estuda, reflete, medita; qualifica-se numa determinada forma e área de atuação ou atividade, valoriza os vínculos orgânicos com a sociedade os projetos comunitários.

– Seja rigoroso na ética da militância.

A esquerda age por princípios. A direita, por interesses. Um militante de esquerda pode perder tudo – a liberdade, o emprego, a vida. Menos a moral. Ao desmoralizar-se, desmoraliza a causa que defende e encarna. Presta um inestimável serviço à direita.

Há, evidentemente, alguns incautos(uns até inconsciente) disfarçados de militante de esquerda. É o sujeito que se engaja visando, em primeiro lugar, sua ascensão ao poder. Em nome de uma causa coletiva, busca primeiro seu interesse pessoal.

O verdadeiro militante é um servidor, disposto a dar a própria vida para que outros tenham vida. Não se sente humilhado por não estar no poder, ou orgulhoso ao estar. Ele não se confunde com a função que ocupa. Acredita que acima de toda dor individual está a felicidade coletiva.
– Alimente-se na tradição da esquerda.

É preciso oração para cultivar a fé, carinho para nutrir o amor do casal, "voltar às fontes" para manter acesa a mística da militância. Conheça a história da esquerda, leia (auto)biografias, como o "Diário do Che na Bolívia", e romances como "A Mãe", de Gorki, ou "As Vinhas de Ira", de Steinbeck, “Subterrâneos da Liberdade” de Jorge Amado, “10 Dias que Abalaram o Mundo” de John Red.

– Prefira o risco de errar com o povo e com o coletivo a ter a pretensão de acertar sozinho.

Conviver com o povo e com os pobres não é fácil. Primeiro, há a tendência de idealizá-los. Depois, descobre-se que entre eles há os mesmos vícios encontrados nas demais classes sociais. Eles não são melhores nem piores que os demais seres humanos. A diferença é que são pobres, ou seja, pessoas privadas injusta e involuntariamente dos bens essenciais à vida digna. Por isso, estamos ao lado deles. Por uma questão de justiça.

Um militante de esquerda jamais negocia os direitos dos pobres e sabe aprender com eles.
– Defenda sempre o oprimido, ainda que aparentemente ele não tenha razão.

São tantos os sofrimentos dos pobres do mundo que não se pode esperar deles atitudes que nem sempre aparecem na vida daqueles que tiveram uma educação refinada.

Em todos os setores da sociedade há corruptos e bandidos. A diferença é que, na elite, a corrupção se faz com a proteção da lei e os bandidos são defendidos por mecanismos econômicos sofisticados, que permitem que um especulador leve uma nação inteira à penúria.

Não espere jamais ser compreendido por quem favorece a opressão dos pobres.
Faça da sua vida um antídoto contra a alienação.

Não podemos falar como militantes e vivemos como burgueses, acomodados ou na cômoda posição de juízes de quem luta.

E o torcedor é aquele que se guia pela emoção, sempre busca justificar com os erros dos outros as suas limitações. Culpa sempre o “juiz” pela derrota. Ou diz que tal “jogador” se vendeu e “entregou” a partida.

Nem todos que são contra a Dilma hoje, são golpistas, de direita, ou tucanos. A batalha da comunicação e da contra informação está com a direita no controle e assim o povo e a sociedade em geral segue sendo manipulado. Para ter capacidade para resistir ao vendaval é necessário consolidar a consciência militante em contraponto a ilusão maniqueísta típica de torcida.

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