“Jogada de Mestre”, falsas soluções

Drama do cineasta sueco Daniel Alfredson vê sequestro do milionário Heineken sob o olhar dos deserdados e as armadilhas criadas pelo capital

Chama mais atenção neste “Jogada de Mestre” a maneira como o plano se desfaz após executado, do que ele em si. Baseado no sequestro do milionário holandês Alfred Heineken (1923/2002), em 1983, ele vai aos poucos mostrando como o grupo que o executou se perde, tornando-se presa fácil do que engendrou. Mas se em princípio parece novo, trata-se do modelo hollywoodiano de estruturar o drama criminal, desde a criação do Código Heys nos anos 30, para ditar o conteúdo cinematográfico.

Nada disso evitou que a criminalidade crescesse. Tornou-se apenas censura. No entanto, a maioria dos filmes do gênero o segue. Para não fugir à regra, o cineasta sueco Daniel Alfredson, a partir do livro do holandês Peter R. de Vries, roteirizado por este e William Brookfield, decidiu transformá-lo num thriller, sem qualquer fio ou subtrama que reforçasse a narrativa. Enfim, só caracteriza os personagens e apresenta sua motivação para o sequestro do fundador da Cervejaria Heineken.

O contexto em que o grupo de cinco amigos Cor (Jim Sturgess), Willen (Sam Worthington), Spikes (Mark van Eeuwen), Cat (Ryan Kwanter) e Brakes (Thomas Cocquerel) o planejou foi criado pela crise político-econômica holandesa dos anos 80. Com a falência de seu negócio e a ocupação de seu prédio pelos sem-teto, Cor, para não se ver na situação de empregado, opta pela grande cartada. A partir daí ele e o cunhado Willen irão comandar as ações que ocorrem vertiginosamente.

Montagem dá ideia de ritmo

Não se trata, de novo, de simples escolha de Alfredson. A maioria dos filmes de ação hoje (e aqui se trata de pura ação) usa a montagem para dar ao espectador a sensação de movimento contínuo de desenho animado. Inexiste intervalo para a decantação da cena, o apreender das motivações e do estado psicológico dos personagens, devido à feroz disputa da narrativa com a pipoca e o refrigerante, consumidos pelo espectador durante a sessão e, sem dúvida, principal fonte de renda do exibidor hoje.

Os personagens acabam, mesmo não sendo o caso, virando autômatos do “Quarteto Fantástico”. Estão sempre fugindo de moto, carro, barco pelas estreitas ruas e canais de Amsterdã. Tudo emoldurado pela estética dos grandes planos, dos detalhes dos veículos em alta velocidade, do clima opressivo, da fotografia em tons escuros. Restam breves sequências de Cor e sua companheira Sonja (Jemina West). Superficial tentativa de humanizá-lo, mostrar sua capacidade de amar, de se preocupar com ela, entre cenas com os amigos no bar, ou trocando ideias com Willen.

Toda motivação inicial se perde neste destoar narrativo. O que está em questão é a ferocidade com que o sistema capitalista estimula jovens classe média (e não só eles) a saírem desesperados em busca da riqueza fácil e do glamour dela emanado. Este é, na verdade, o que leva Cor a urdir o sequestro de Heineken (Anthony Hopkins) e este lhe dizer: “Existem duas maneiras de ficar rico: tendo amigos ou lutando para se tornar um (frase não literal)”. A terceira, buscada por Cor, é a mais arriscada.

Ruir do plano é o mais interessante

No entanto, o que se vê na primeira e segunda parte deste “Jogada de Mestre” é a tensão criada pelo sequestro. No início, o espectador ainda se prende à montagem do plano, à criatividade de Cor, aos cuidados de Willen, a engenhosidade de Cat e Spikes. As sequências mais interessantes do filme. Porém ao longo 95 minutos, elas não passam de preparo para sua desmontagem. O momento em que as fragilidades dos membros do grupo irão transformá-los em reféns das sutis armadilhas do dinheiro.

Na maioria dos filmes criminais este é o instante trágico, melancólico, quando tudo se desfaz. E em se tratando de narrativa baseada em caso real, são os únicos momentos de construção realmente dramatúrgica. É aflitiva a sequência em que Willen vê Cor falando com Sonja ao telefone, depois de o alertar para não o fazer. O jovem e durão Cor, que exige firmeza dos demais membros do grupo, se desfaz na conversa com a amada. E novas motivações se impõem com desfecho não planejado.

O jeito como o plano se desmonta decorre do modo como Alfredson estrutura-o. Os entrechos explicativos sobre o que aconteceu com os membros do grupo, e de Cor e Willen em particular, acabam mostrando as possibilidades dramatúrgicas do sequestro de Heineken, dada às suas consequências para cada um deles. As escolhas para atender o mercado exibidor terminam prejudicando uma boa história, talvez com maior potencial de público do que o diretor imagina. Seria um filme e tanto.

Jogada de Mestre. (Kidnapping Mr. Heineken). Drama criminal. Holanda/Reino Unido/Bélgica. 2015. 95 minutos. Fotografia: Fredrik Bäckar. Montagem: Häkan Karlsson/ Chelsa Bruland. Roteiro: William Brookfield/Peter R. DeVries. Direção: Daniel Alfredson. Elenco: Anthony Hopkins, Jim Sturgess, Sam Worthington, Ryan Kwanten, Jemina West.

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