As margaridas estão chegando 

Pelo quinto ano seguido, em agosto vamos presenciar a Marcha das Margaridas, certamente a maior manifestação popular organizada no Brasil nos dias atuais. Trabalhadoras rurais dos mais remotos rincões organizaram durante meses fileiras que sairão de diferentes pontos do território nacional como teias de uma enorme rede que vão se encontrando até formarem uma única coluna, na chegada a Brasília.

A marcha é organizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), as duas maiores entidades camponesas do país. O nome da manifestação é um tributo à Margarida Maria Alves, líder sindical de Alagoa Grande, na Paraíba, assassinada em 1983 por sua luta contra os coronéis. Mártir, portanto.

Sua pauta de reivindicações é sempre extensa, mas as marchas realizadas anualmente têm um sentido mais amplo, que é chamar a atenção pra realidade do campo. Afinal, a grande mídia apresenta o agronegócio de minorias como se essa fosse a face verdadeira da agropecuária tupiniquim.

Pelas previsões da Contag, nos dias 11 e 12 de agosto deste ano a manifestação deverá superar com folga a marca das 100 mil mulheres trabalhadoras do campo, da floresta e das águas, como são definidas. Em 2011, a 1ª marcha levou à Capital Federal cerca de 70 mil mulheres e um grupo delas foi recebido no Palácio do Planalto pela presidente Dilma Rousseff.

Na ocasião, o movimento obteve significativos benefícios e ganhou a simpatia nacional. Em verdade, já haviam ocorrido marchas menores nos anos 2000, 2003 e 2007, mas foi nesta de 2011 que essa corrente sócio-política adquiriu um caráter permanente. Ao fim do ato do ano passado, por exemplo, ainda em Brasília, foi iniciada a organização da caminhada que agora se realiza.

Movimento bem articulado

A organização da marcha de 2015 vem ocorrendo em vários níveis. O principal é nas bases, em ações puxadas principalmente pelos mais de 4000 sindicatos e 27 federações de trabalhadores rurais afiliados à Contag. Do Caburaí ao Chuí, são organizados os grupos locais de mulheres que se juntarão à marcha.

Em meados de junho passado, por exemplo, foi realizada pelas ruas de Manaus, no Amazonas, a Caravana das Mulheres das Águas e das Florestas. A caminhada fez parte da Jornada Temática de Políticas Públicas para a Mulheres da Região Norte, realizada naquela capital, e serviu de chamamento à 5ª Marcha.

Atos como esse foram realizados país afora, ainda em 2014, como forma de lançamento e início dos preparativos da marcha que agora vai ocorrer. Também foram ministrados cursos regionais de formação política, a partir de uma grade curricular e cartilhas elaboradas pela Contag.

A forma de mobilização varia de acordo com a região e com a entidade que centraliza localmente a operação. Seja qual for a distância, grupos de mulheres preferem fazer o percurso a pé, com paradas e pernoites já previstos antes da partida. No mais das vezes, no entanto, o deslocamento é feito em ônibus fretados, com programação de escalas pra refeições e descanso.

Mas, ao mesmo tempo, ocorre a articulação institucional, que envolve entidades urbanas que apoiam a marcha – a CUT e a UNE, dentre tantas –, as câmaras de vereadores, assembleias legislativas, o Congresso Nacional e os próprios governos, nas três esferas da Federação.

No último dia 3 de julho, por exemplo, um grupo liderado pela secretária de Mulheres da Contag, Alessandra Lunas, entregou ao ministro Miguel Rossetto, no Palácio do Planalto, a pauta de reivindicações deste ano. O documento tem o lema “Margaridas Seguem em Marcha por Desenvolvimento Sustentável com Democracia, Justiça, Autonomia, Igualdade e Liberdade”.

O item primeiro da pauta é o de sempre: Reforma Agrária. Mas, as trabalhadoras pedem também ações concretas pela diminuição do uso de agrotóxicos, de combate à violência contra as mulheres e em defesa da soberania alimentar, três problemas ainda candentes. “É preciso fortalecer os olhares para os quintais produtivos, para outras formas de produção”, ressaltou Alessandra na ocasião.

Dois dias antes, a 5ª Marcha das Margaridas foi tema de uma audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, em Brasília. Na ocasião, a pauta de reivindicações deste ano foi entregue aos deputados federais e a representantes de entidades feministas que participavam do evento.

"A Marcha ocorre pra que as mulheres tenham a oportunidade de expressar sua voz e sua luta por uma sociedade igualitária", disse Célia Regina das Neves Favacho, representante do Conselho Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas Costeiras e Marinhas, que participou da sessão.

Preparativos no centroo oeste 

No Planalto Central e toda a região Centro-Oeste, em vista da relativa proximidade da Capital Federal, é difundida a ideia de que participar da Marcha é quase que uma obrigação das lideranças das mulheres trabalhadoras rurais. Por isso, há um trabalho mais intenso das entidades envolvidas nos preparativos.

No Distrito Federal e municípios do Entorno, por exemplo, é grande a participação de sindicatos de categorias urbanas, como as de professores e bancários. Na zona rural, a Fetraf (Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar) definiu meta de 300 mulheres pequenas proprietárias em seis localidades vizinhas ao DF.
“Temos certeza de que a marcha deste ano vai trazer a Brasília mais de cem mil mulheres do Brasil inteiro e estamos contando também com outras categorias profissionais”, argumenta Socorro Alves, diretora da Fetraf.

A mártir que dá nome ao movimento 

No dia 12 de agosto de 1983, Margarida Maria Alves saia de sua casa conversando normalmente com o marido e o filho, alegre e disposta, como de costume. De repente, porém, apareceu um homem que, sem nada dizer nem perguntar, desferiu um único tiro de escopeta 12 no rosto da líder sindical, que já caiu morta.

O atirador era um jagunço, ou matador de aluguel, que sumiu do mesmo jeito que havia surgido, como uma bruma assassina. A arma calibre 12 que disparou é, em tese, de uso exclusivo das forças armadas. O crime brutal, de cunho político, teve repercussão nacional e internacional, mas seus autores (mandantes e executor), embora denunciados pelo ministério público, nunca foram punidos pela justiça local.

Aliás, o jagunço Edgar Paes de Araújo andou tomando umas a mais e entregou os mandantes, ao se gabar do crime em mesas de botecos. Mas, ele também foi assassinado em 1986, em provável queima de arquivos. Em depoimentos em tribunal, sua viúva confirmou os fatos, dando nomes aos bois, mas suas denúncias nunca foram levadas em conta.

Margarida era um caso raro de mulher ocupando o cargo de presidente de um sindicato de trabalhadores rurais no Brasil. Ela era a mais nova dos 13 filhos de um casal de trabalhadores rurais de Alagoa Grande, cidade paraibana à época ainda dominada por senhores de engenho, donos da Usina Tanques, produtora de açúcar.

Ela havia completado 50 anos de idade cinco dias antes de morrer. Nos 12 anos que esteve sob sua liderança, o sindicato moveu mais de uma centena de ações trabalhistas contra a usina Tanques.

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