Militância altruísta

Certa vez ouvi de uma liderança a seguinte frase em forma de conselho: “você precisa estar bem para poder ajudar os outros. Então cuide primeiro de você.”

Claro que a pessoa se referia a ganhos materiais. Julgava ou julga ainda, que é preciso ganhar dinheiro e ficar rico, para só depois ajudar os necessitados, ou como ele disse, fazer o vulgarizado “trabalho social”.

Este acontecimento me fez lembrar um estudo produzido pelo historiador do Partido Comunista, já falecido, chamado Moisés Vinhas. Trabalho este que deu base ao seu famoso livro “O Partidão – A luta por um Partido de Massas.

Na obra ele registra que uma parcela das pessoas que procuravam o Partido e mesmo os Sindicatos para se filiar e principalmente militar, tinha como objetivo ascender socialmente. E a vida deu razão a este estudo. Na verdade uma boa parcela que se envolveu e se qualificou para militar e até dirigir sindicatos e partidos, tiveram uma elevação no nível de vida no sentido material relevante. Os altruístas, aqueles que se identificavam com a causa e abria mão de certos privilégios eram um número considerável no início do século passado, mas ao longo do tempo a proporção foi se invertendo.

Óbvio que durante a ditadura militar, cuja liberdade e condição de ascensão social ficou extremamente restrita, a proporção se inverteu em favor daqueles ideológicos. Durante os anos de “chumbo” possibilidade de prisão, de tortura e de morte, fizeram que só os verdadeiros e conscientemente revolucionários se dedicassem a luta transformadora. Mas mesmo aqui a busca por um status interno existia. Até porque a vaidade humana não conhece limites. A esse respeito certa vez o embaixador americano em Moscou disse sobre Trotsky: “seria capaz de morrer pela revolução se houvesse uma plateia a aplaudi-lo”

Mas logo depois com o avanço da luta democrática e com o respirar de mais liberdade no Brasil a proporção foi aos poucos se invertendo até chegar aos dias de hoje numa situação que é muito difícil encontrar militantes sem motivação material e individual para lutar.
Hoje o militante altruísta, quando encontrado e percebido é taxado de bobo ou incompetente. Daí a frase dita a mim suou como uma síntese da prática de muitos que sequer têm a coragem para falar abertamente.

Lógico que a minha intenção aqui não é fazer uma análise psicológica ou sociológica do fenômeno. A intenção é destacar o quão desgastado se tornou a atividade militante e política.

Hoje não é só nos partidos e nos sindicatos, mas todos os movimentos sociais têm infelizmente esta marca. A marca da busca individual por privilégios ou situações de melhoria de vida. Os dirigentes se agarram nas funções, nas tarefas, buscando em uma boa parte, se manterem em condições de viajar, jantar nos melhores restaurantes, dormir nos melhores hotéis e dirigir os melhores carros. E o que é pior, passa a ser referência para novos e jovens militantes que se espelham nesses exemplos que deram “certo” e trilham os mesmos caminhos para quem sabe obter ganhos até maiores. Claro que para essa parcela, que jamais admite tal conduta, tudo passa a ser em nome do “projeto” propagado como coletivo.

Hoje até se institucionalizou de certa forma esta conduta. O que é procurar lideranças para serem candidatos a cargos eletivos se não dar-se vazão a esta conduta? Hoje há inclusive campanhas de filiações entre os partidos que tem como quase exclusivo critério os votos recebidos nas eleições anteriores. Ou ao seja filiar fulano, sicrano pergunta: “já foi candidato?” se a resposta for positiva a depender dos votos obtidos pelo incauto chega a ser exibido como verdadeiro troféu.

Do mesmo modo se tiver possibilidades de ser dirigente de uma entidade de caráter social, além de ser disputado a tapa sob a perspectiva de um desempenho eleitoral futuro.

Essa é a parte nossa na culpa da política está assim tão desgastada. Afinal, é óbvio que a campanha secular para afastar o povo pobre da militância tem dado frutos as elites e a reação. Mas nós poderíamos fazer um esforço maior em valorizar de fato aquele militante, quadro ou mesmo filiado que tem como foco e objetivo de vida defender e lutar pelo bem estar coletivo.

Ser político hoje aos olhos do povo (e não só infelizmente. É prática corrente) é querer se dar bem, é querer ser rico, praticar e promover roubalheiras. Fazer negócios sujos e favorecer amigos e familiares. Fazer política é ser “esperto”. Nos movimentos é dar rasteira no outro e impedir que o outro ascenda e ocupe postos importantes em determinadas entidades e até em partidos. É não abrir mão de cargos e postos que permitem desde uma simples viagem internacional até ocupar uma mesa de abertura em eventos e atos. Hoje, apesar de ser difícil, as pessoas de bem que ainda restam, precisariam dar exemplo. Na verdade um contra exemplo. Mas será que estes(as) têm consciência da necessidade? Ou sucumbiremos inconscientemente á aqueles que acham normal bem, “muito bem”, para depois ajudar o próximo como disse, entre outros, meu “conselheiro”.

Paciência……

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