“Uma potência nuclear terrorista”

A estimativa já é conhecida: Israel possui cerca de 80 ogivas nucleares não declaradas e não verificadas pelos mecanismos internacionais competentes, de acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa sobre a Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla em inglês). Por isso, a reação israelense ao acordo nuclear com o Irã, anunciado nesta terça-feira (14), não poderia ser mais descabida, ou teatral. 

Israel mantém na região uma política de agressão e ameaças, ocupando não só a Palestina como também as colinas sírias do Golã e as Fazendas de Shebaa libanesas, além de violar os territórios vizinhos frequentemente e lançar ofensivas militares contra os palestinos com regularidade.

Mesmo assim, foi com a frase do título que o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu voltou a acusar o Irã de ser uma ameaça para o Oriente Médio e, especialmente, para Israel. Esta foi sua reação ao acordo entre o país persa e o grupo composto pelos cinco membros do Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha, sobre o programa nuclear iraniano. Espera-se, agora, o efeito do acordo sobre as sanções impostas contra o Irã.

O show montado por Netanyahu dura quase os mesmos 20 meses das rodadas de negociações entre o Irã e o chamado P5+1 (EUA, França, Inglaterra, Rússia e China, os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, e a Alemanha). Nem mesmo a aparição de Netanyahu no Congresso dos EUA, a contragosto do presidente Barack Obama, como já abordado por esta coluna, conseguiu frear o acordo. Obama prometeu protegê-lo inclusive com vetos a leis eventualmente promovidas no Congresso – predominantemente republicano – e destinadas a decapitá-lo. 

Representantes do Irã, do P5+1 e da Agência Internacional de Energia Atômica anunciam acordo em Viena,
Áustria. 14 de julho de 2015. Foto: Reuters

Mesmo assim, em meio ao imbróglio das tensões entre Netanyahu e Obama no início do ano, a Casa Branca emitiu um documento comprovando em números e fatos a aliança inquebrantável do governo Obama com Israel e, ainda nesta terça, o presidente já telefonou ao premiê israelense para tranquilizá-lo.
A República persa enfrenta sanções politicamente motivadas dos EUA e seus aliados desde 1979, quando os iranianos resolveram derrubar um governo autocrático e ditatorial liderado pelo xá Reza Pahlevi, respaldado pelos governos estadunidense e britânico. O pretexto inicial foi a tomada da Embaixada dos EUA em Teerã pelos insurgentes iranianos, indignados com o papel da representação supostamente diplomática na manutenção de um regime autoritário, como visto aqui nestes trópicos. 
O cenário é conhecido: em 1953, os EUA desempenharam um papel central na derrubada de um governo eleito, o do primeiro-ministro Mohammed Mossaedq, colocando o xá no poder. O “erro fatal” de Mossadeq foi planejar nacionalizar a indústria do petróleo, que seria privatizada pelo xá. Neste complô, outro papel central, mas menos aparente, foi desempenhado pelo Reino Unido, beneficiado pela privatização.

Desde então dá-se a evolução dos pretextos para a manutenção e ampliação das sanções contra o Irã – cinicamente travestidas de “sanções direcionadas”, embora atinjam empresas e indústrias centrais para a economia persa. A Lei sobre Sanções ao Irã (ISA, na sigla em inglês) foi aprovada em 1996. Além do programa nuclear persa, alvo de acusações sobre um objetivo bélico que não passam de retórica e propaganda midiática, mais recentemente, o pretexto encontrado foi o respaldo do Irã à Síria – contra o intervencionismo estrangeiro e no combate à miríade de grupos armados no país.

Esta é a mais recente das leis aprovadas: o Ato pela Redução da Ameaça do Irã e pelos Direitos Humanos na Síria (ITRSHRA), assinada por Obama em novembro de 2012. Mas os EUA e o restante do P5+1 entendem que, a dado momento, a influência do Irã sobre o Oriente Médio seria demasiada para insistirem na política já evidenciada como fracassada de tentar isolar o país.

Uma curiosidade relevante: embora os movimentos de protesto e boicote ao regime israelense de ocupação da Palestina sejam criticados, desde o ITRSHRA, alunos iranianos nos EUA são proibidos de estudar nas áreas de engenharia petrolífera, gestão do petróleo, ciências nucleares, engenharia nuclear, “ou áreas relacionadas”. Também são afetados, podendo ter seus vistos negados, aqueles que “busquem estudar em outras áreas, como comércio, gestão ou ciências da computação, mas que pretendam usar essas habilidades nos setores de petróleo, gás natural ou energia nuclear do Irã”.

Desnecessário recordar que o Irã é signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) – ao contrário de Israel – e membro da Agência Internacional de Energia Atômica, que garantem aos países o direito de desenvolver uma indústria nuclear para fins civis. Israel, por um lado, mantém em segredo o programa nuclear que mantém no reator de Dimona e os EUA, por outro, representam um papel na peça teatral sobre a redução do seu arsenal nuclear, mas, ao mesmo tempo, investem abertamente na sua “modernização”. Ou seja, embora reduzam o número de ogivas, seu poder de destruição é igual ou maior.

O acordo anunciado nesta terça-feira é certamente bem-vindo, pois o compromisso do Irã com a transparência e a verificação do seu programa nuclear pelas organizações competentes deve servir de modelo. Além disso, sua posição durante o processo, com firme oposição ao imperialismo estadunidense e europeu, transmitiu com sucesso o recado. Embora a narrativa de Obama seja a de que o processo é “construído na verificação, e não na confiança”, mantendo sua postura arrogante, o fato é que o Irã logrou colocar em relevo uma contradição hipócrita neste sistema de “dissuasão nuclear”, apesar do teatro montado pela UE e os EUA e do esperneio de Netanyahu.

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