Violeta Loureiro e a Amazônia do capital

A Comissão da Verdade do Pará através do Grupo de Trabalho Camponês e Indígena realizou, na CNBB, nesta segunda, 6 de julho, a Sessão Temática “A questão fundiária na Amazônia e os conflitos de terra” com a Socióloga, Doutora pela Universidade de Paris III e professora da Universidade Federal do Pará, Violeta Loureiro.

Segundo ela ‘desde os tempos coloniais até os dias atuais a Amazônia têm sido vítima da cobiça, dos mitos e dos equívocos’. A indicação deste processo é “que do ponto de vista político a Amazônia tem se apresentado para o governo central ora como um problema a resolver, ora como solução para equilibrar finanças ou resolver problemas de outras regiões do País. Foi assim com a borracha, a colonização dirigida e o ouro de Serra Pelada nos anos 70/80, os minérios desde os anos 80 e os recursos naturais em geral”.

Ditadura Militar vai realizar mudanças na base legal do país

Em 1961, com a Belém-Brasília dá-se “a descoberta” da Amazônia para o Brasil e as transformações da região começam a ocorrer a partir de 1966, quando o governo militar deflagra sua política de integração e desenvolvimento da região onde os incentivos fiscais, notadamente praticados pela Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) é estendida à agricultura, extração madeireira, pecuária e pesca industrial.

Segundo Violeta Loureiro “embora a Constituição de 1967 estabelecesse em seu Art. Nº164 que a alienação ou concessão de terras públicas não poderia exceder a 3.000 ha por lote, salvo em casos de terras destinadas à reforma agrária, a SUDAM privilegiava os investidores que dispunham de mais de 3.000 ha, o que estimulou a concentração de terras por pessoas de uma mesma família ou empresa”.

O período militar, marcados por governos autoritários vai definir instrumentos de controle político sobre a terra, momento que a Amazônia passa por grandes transformações entre as décadas de 1970/80.

A efetivação da política oficial e a transferência das terras públicas ao capital

A autora de “Amazônia: Estado, Homem e Natureza” destacou os cinco passos para a efetivação da política oficial dos generais cujo resultado do processo implantaram-se as condições de controle absoluto do governo federal sobre a terra: o primeiro passo, na prática, ocorre com a Constituição de 1967 que acaba com o federalismo quando permite a interferência e a intervenção da União nos estados de forma ampla; o segundo se dá com a aprovação do decreto Nº1.164/71 que confisca as terras públicas devolutas da União em cada 100 km de cada lado das margens das estradas existentes e projetadas; a exemplo, as terras sob jurisdição do Pará foram reduzidas a apenas 29,7%; o terceiro foi a decretação de áreas de segurança nacional que desconsideraram as situações fundiárias anteriores, ignoraram os títulos existentes e, sem apurar a validade deles emitiram outros que se sobrepuseram à aqueles, já antigos; o quarto foi o fato de que prefeitos de municípios considerados das “áreas de segurança nacional” passam a ser nomeados pelo governo federal e o quinto e último é a instalação nessas localidades de Batalhões do Exército, em particular na região do Araguaia-Tocantins por conta da Guerrilha do Araguaia (1972/1975).

Todo esse processo vai engendrar uma brutal transferência de terras públicas para a esfera privada onde os interesses e direitos do capital se sobrepõem aos direitos humanos e aos interesses do trabalho e do natural da região.

Em assertiva a professora enfatizou que “não devemos esquecer que o Estado brasileiro sempre foi elitista, aliado do capital, autoritário e centralizador” e denunciou que “A terra pública – 98% do território amazônico – antes ocupada por populações naturais da região, começa a ser transferida, especialmente pela concessão, venda e pela grilagem; em grande parte dos casos a terra é transferida com gente dentro dela, o que se constituiu na maior fonte de conflitos; mais tarde a terra para desmatar tornou-se a principal causa; o Pará, que antes produzia 3% da madeira nacional passou a contribuir com 28% nos anos 80/90. O fato é que o governo federal, no período militar é o responsável pela desordem, pela miséria e os conflitos na Amazônia nos últimos 50 anos”.

Todo esse processo vai projetar a Amazônia, a partir de 1985, como fronteira agrícola e de exploração mineral, portanto de commodities, como são os casos do ferro, alumínio, dendê, soja, gado e madeira. Para ela ainda “essa anexação da Amazônia ao mercado capitalista internacional vai gerar os conflitos de ontem e de hoje, como a pistolagem, o trabalho escravo e a criminosa grilagem de terras”.

A Comissão da Verdade e a investigação da fronteira amazônica

Na opinião do presidente da Comissão da Verdade do Pará (CEV) Egídio Sales Filho “a participação de Violeta Loureiro teve a dimensão de desvendar os processos de ocupação da Amazônia paraense nos últimos 50 anos na perspectiva de conectar a imensa região dos nossos dias e propor recomendações ao Relatório da CEV-Pa”.

Para a comissionada Jureuda Guerra vai se formando o entendimento de que “só podemos compreender alguns casos emblemáticos do período militar como a guerrilha do Araguaia, o genocídio indígena, o julgamento dos padres franceses, Chacina no Castanhal Ubá e a guerra da Cidapar se assimilarmos que foi a penetração do grande capital o principal impulsionador, com o aparato da Lei de Segurança Nacional, dos graves conflitos assistidos no passado e no presente amazônico”.

A intervenção autoritária na Amazônia, os grandes projetos econômicos, a penetração capitalista e os conflitos oriundos desse modelo excludente são referências importantes para o Relatório Final da Comissão da Verdade do Pará que deverá ser apresentado em setembro de 2017.

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