Segunda viagem à China (final)

A última cidade visitada por nossa delegação foi a municipalidade de Xangai. O fato de ser a última (at last but not least), teve muito de planejamento. O objetivo nosso – ao montar o roteiro – foi causar o maior impacto possível em nossos deputados, para

A história de Xangai é muito mais longa do que parece. Xangai, no século 19, apesar de porto aberto há mais de 700 anos, era habitada, em sua maioria, por pescadores. Como zona administrativa foi instalada no ano de 751 sob o nome de Huating County e em 1292, sob o acicate da crescente atividade comercial, transformou-se em Xangai. Sua área (incluindo a ilha de Chongming) é de 6.340 km2. É a principal cidade do delta do rio Yang-Tsé e também em torno de si gravitam outras 18 cidades. Com cerca de 20 milhões de habitantes forma a maior conurbação urbana da China. Um quarto do PIB do país é produzido nesta área, demonstrando – assim – pujança econômica e acúmulo financeiro e tecnológico pronto – como já ocorre – para grandes transferências litoral-interior. Mais: é atrativo de famílias inteiras de empresários taiwaneses, de Hong-Kong e outras áreas chinesas de ultramar. Importante na análise mais de fundo do papel de Xangai, a sua importância no objetivo de reunificação nacional e os instrumentos utilizados pela China (1).


 



Xangai: a futura “capital do mundo”?


 


Sendo a China um futuro centro gravitacional, a exemplo dos EUA no século 20, não é muita pretensão nomear Xangai a cidade que irá substituir a cada vez mais intolerante e policiada cidade de Nova York, como a “capital do mundo”. A vista da Zona de Pudong pelo outro lado do rio Huang Po, suas imensas torres modernas e a Torre de Televisão “Pérola do Oriente”, denunciam este futuro. Toda a simbologia que se encerra na Estátua da Liberdade (em Nova Iorque) perde brilho ante a história de luta pela liberdade nacional e social que repousa na cidade que abrigou o 1º Congresso Nacional do PCCh no dia 1º de julho de 1921.


 


Fomos recebidos em Xangai por Ma Junwei, vice-diretora do Birô de Relações Exteriores da Assembléia Popular de Xangai (a Câmara Municipal de São Paulo não tem órgão análogo). Passamos também pela Baosteel Group Association, a atual quarta maior siderúrgica do mundo e mantivemos um encontro com o sr. Huang Jianzhi, vice-diretor do birô responsável pela Expo-2010, que será realizada em Xangai e é por esta experiência que iniciaremos nossa descrição.


 


Esta experiência serviu para a consecução de dois objetivos. O primeiro: tomar contato com o local que irá sediar a Expo-2010 (este evento já conta com 155 anos), ou seja, Pudong; e o segundo: verificar os preparativos da cidade para este evento secular e mundialmente disputado pelas metrópoles mundiais. Assim como Pequim está passando por imensas transformações em sua estrutura urbana por conta da realização dos Jogos Olímpicos de 2008, em Xangai ocorre o mesmo pela realização da expo-2010. Vamos conferir.


 


Tendo em vista que cerca de um milhão de turistas passarão por Xangai durante o evento, a cidade trabalha freneticamente na preparação: a) mais de 300 km de linhas de metrô sendo construídas; b) duplicação de capacidade dos dois aeroportos da cidade; c) ampliação do trajeto do trem bala (Meglev), que chegará até a parte oeste da cidade (hoje liga somente o Aeroporto de Pudong com o centro da cidade); d) 6.500 banheiros em construção; e) ampliação da capacidade de transporte de pessoas por rio, dos atuais 30.000 para um milhão de pessoas; f) com relação ao metrô, estima-se que atualmente um milhão de pessoas utilizam este meio para se locomover, número que chegará a três milhões em 2010.


 


Calcula-se em US$ 10 bilhões os gastos com o empreendimento. Gastos estes divididos entre o Estado e outras 15 empresas privadas. Para este evento espera-se a presença de 101 países. Cada stand custará perto de US$ 1 milhão. Perguntado, por mim, sobre como os países pobres financiarão seus espaços, a resposta de nosso interlocutor foi rápida e precisa:“O governo chinês irá financiar os gastos dos 40 países mais pobres do mundo”.


 



Solidariedade internacional: palavras de ordem x poderio financeiro


 


Para quem acredita que solidariedade internacional resume-se a algumas palavras de ordem antiimperialistas, é bom saber que em relações internacionais gestos concretos têm mais valor que palavras e que a força do dinheiro ainda é central nesta questão, que envolve a transição capitalismo x socialismo em âmbito mundial.


 


Isto não serve somente para os nossos marxistas religiosos, mas também ao nosso governo (sou governista !!!) que, de forma equivocada e na contramão da história, tenta casar uma política externa soberana com uma política econômica antinacional. Resultado e exemplo: Angola – em 2004 – solicitou ao governo brasileiro, sob forma de empréstimo – US$ 300 milhões. Enquanto nossos “gestores econômicos” discutiam, entre si, os juros a serem pagos pelo governo e povo irmão de Angola, os chineses não somente emprestaram US$ 2 bilhões, como também propuseram que o pagamento fosse feito em petróleo com prazo de vencimento em dez anos com juros anuais de apenas 1%.


 


Sob nosso ponto de vista, política externa se faz com capacidade de controle de fluxos de capitais, capacidade de financiar exportações de mercadorias e exportação de capitais. Resume-se também na capacidade de planejar déficits com nossos vizinhos e também demonstração de força financeira para investir dezenas de bilhões de dólares, nesta chamada integração sul-americana. Será que temos força para isto? Com 37% do orçamento da União carimbados para a oligarquia financeira (imperialismo) fica difícil qualquer iniciativa séria, não somente em relações internacionais, mas principalmente em matéria de política desenvolvimentista. Na retomada de nosso projeto nacional.


 



Pundong


 


Pudong está situada na margem leste de Xangai, faz divisa com a chamada “Xangai antiga” pelo rio Huang Pó. Tem território de 570 km2 e uma população permanente de 2.8 milhões de habitantes. Esta Zona Econômica Especial foi inaugurada no dia 18 de abril de 1990. Em 26 anos, um local, que outrora servira de plantações de arroz, transformou-se na maior expressão urbana da política de Reforma e Abertura, inaugurada por Deng Xiaoping, em 1978. Até 2005 haviam estocado investimentos de 97 países, em mais de 13.000 projetos relativos a novas e novíssimas tecnologias, aferidos em US$ 31 bilhões.


 


Cerca de 200 empresas multinacionais, relacionadas entre as 500 maiores corporações do mundo pela revista Forbes Fortune, estão instaladas em Pundong. Por seu turno outras 9.400 empresas chinesas também marcam presença em escritórios, construídos num dos sítios urbanos (ao lado de Brasília) mais bem planejados do mundo atual. Prova disto (planejamento urbano) é a constatação de que 37% do território de Pudong está reservado para áreas verdes.


 


Encerro esta exposição rápida sobre Pudong com as palavras do presidente francês Jacques Chirac: “Como a Grande Muralha e o Grande Canal, o desenvolvimento de Pudong irá se constituir numa brilhante página da história chinesa.”


 



Baosteel


 


A visita à Baosteel era algo no mínimo esperado. Pelo menos para mim. Coloquei em relevo aos nossos deputados que este encontro seria, no mínimo, mais um capítulo no processo que envolve uma quebra-de-braço, entre a mesma Baosteeel e a Companhia Vale do Rio do Doce (CVRD), a maior fornecedora de minério de ferro da empresa.


 


Fomos recepcionados na empresa por Guo Ning, o todo-poderoso diretor responsável pelas relações exteriores da empresa. Tratava-se de um “xangaiense”: uma certa arrogância e um apurado espírito de bom e grande comerciante, lapidado pela própria formação social de Xangai, com uma grande “pitada” adquirida em universidades ocidentais. A conversa girou – e muito – em torno do preço do minério de ferro brasileiro em comparação com o da Austrália. Apenas lembrei nosso interlocutor que o minério de ferro brasileiro era de melhor qualidade que o australiano.


 


Sobre a empresa em si não coube grandes novidades: surge no bojo de um fenômeno mundial, para o qual a China vem se preparando, o de imensas fusões e aquisições. No caso chinês a fusão de grandes empresas estatais com médias e pequenas é parte de uma estratégia empresarial que busca, no plano interno, salvaguardar para o Estado os setores estratégicos da economia e, no plano externo, como futuras lanças de uma política comercial e diplomática de preciso e longo alcance.


 


Trata-se de uma estatal com capital aberto criada em 1998 com a fusão da Baoshan Iron and Steel Group Corporation com a Shanghai Metallurgical Holding Group Corporation e a antiga Shanghai Meishan Group Corporation. Representa, atualmente, o quarto maior grupo siderúrgico do mundo com ativos da ordem de US$ 10 bilhões. Sua produção de aço chegou em 2005 a 90 milhões de toneladas (a China, como um todo, produz 240 milhões de toneladas.). Além da grande unidade localizada em Xangai, com direito a porto próprio, a produção – no bojo de grandes fusões e aquisições internas – está distribuída em 24 subsidiárias, espalhadas pela China e outras duas fora da China.



Considerações finais


 


Algumas considerações finais podem ser resumidas da seguinte forma:


a) A China caminha firme para a construção de seu futuro e nesta esteira, o futuro da própria humanidade;


 



b) A proposta de visitar três cidades litorâneas e uma interiorana foi justa: vai se dissipando a imagem da existência de uma China com um litoral rico e um interior decrépito e pobre, pois é evidente que o interior chinês passou a ser o dínamo deste colossal empreendimento humano;


 



c) O socialismo na China vai muito bem, obrigado. As taxas de crescimento e sua robustez e resistência, mais a capacidade de o governo chinês prover o território de políticas públicas voltadas para a diminuição das grandes desigualdades sociais, é prova disto. No que concerne à superestrutura, o PCCh vai demonstrando capacidade de governança ante os grandes desafios, que a mutante estrutura social do país vai impondo;


 



d) É de suma importância a contínua visita de parlamentares e intelectuais brasileiros à China. O crescente poder gravitacional chinês é capaz de “mexer com a cabeça” de qualquer brasileiro, que, em seguida, passa a se perguntar “o que acontece com o nosso país?”;


 


 
e) Nosso país continua a andar para trás. Ou mudamos a direção de nosso Banco Central ou o Banco Central aprofundará o processo de contra-revolução, iniciado com a eleição de Collor em 1989.


 


 


Nota:


(


1) Sobre a importância de Xangai no processo que envolve a unificação nacional chinesa, sugiro as seguintes leituras: JABBOUR, E. “A modernização da China e a guerra comercial com os Estados Unidos”. In. JABBOUR, E. “China: infra-estruturas e crescimento econômico”. Anita Garibaldi. São Paulo, 2006, págs. 210-238. Também, na mesma linha de raciocínio, vale a leitura de: OLIVEIRA, A. P. de: “A dimensão territorial do reformismo chinês”. In, Revista Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, nº 125, Abr/Mai de 1996. Do mesmo autor é importante a leitura de: OLIVEIRA, A. P. de: “O salto qualitativo de uma economia continental”. In, Política Externa. São Paulo, vol. II, nº 04, Abr/Mai/Jun de 2003.


 

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