Emenda 3, o que é isso afinal?
Desde que o presidente da República vetou a chamada emenda 3 do projeto de lei que criou a Super Receita, que se discute o objeto dessa emenda, sem que se tenha uma visão clara sobre as implicações de seu conteúdo. O texto vetado, aparentemente neutro, tr
Publicado 27/03/2007 19:03
No Brasil tem sido comum as grandes empresas, especialmente na área de comunicação, exigirem de seus empregados que se transformem em empresa individual ou pessoa jurídica para contratá-los como prestadores de serviços, livrando-se do pagamento de uma série de encargos trabalhistas e previdenciários, numa clara burla ao Direito do Trabalho.
O ex-empregado, que se transforma em empresa ou pessoa jurídica, deixa de ser empregado e passa a ser um prestador de serviços, mas continua cumprindo horário, recebendo ordens e exercendo as mesmas atividades de antes, nas dependências do contratante. Quem presta serviço nessas circunstâncias, em atividade não eventual, é considerado empregado, segundo o art. 3º da CLT.
A conseqüência da mudança de status — de pessoa física e empregado para pessoa jurídica e prestador de serviços — é que o ex-empregado não terá mais direitos trabalhistas, como férias, 13º terceiro, FGTS, multa por ocasião da demissão, nem previdenciários, como aposentadoria, auxílio-doença, auxílio-reclusão e licença-maternidade, entre outros, exceto, no caso da previdência, se continuar segurado do INSS e pagar 20% sobre o mesmo valor que, como empregado, pagava de 8 a 11%.
A empresa contratante, por sua vez, além de poder contar com a prestação de serviços ininterrupto pelos 12 meses do ano (empresa não tira férias), ainda fica livre do pagamento para o INSS de 20% sobre a folha, a titulo de contribuição previdenciária; não terá que pagar 13º nem 30 dias férias, acrescidas de um terço; não pagará contribuição para o sistema “s” sobre esse prestador de serviço; não terá que pagar 8% de FGTS; não terá que pagar aviso prévio proporcional nem tampouco pagar a indenização de 40% sobre o montante do FGTS.
Pelas regras atuais, o fiscal do trabalho, em sua atividade de rotina, quando encontra uma situação semelhante a essa, de clara burla do direito do trabalho, autua a empresa, aplica as devidas multas e desfaz a irregularidade, transformando o trabalhador de prestador de serviço em empregado, com todos os direitos inerentes à condição de empregado, e conseqüentemente desconstitui a pessoa jurídica fraudulenta.
Já o texto da emenda, aparentemente neutro, se for transformado em lei terá conseqüência graves sobre as relações de trabalho e os cofres públicos porque impede que o Fiscal do Trabalho possa fiscalizar, mesmo as situações fraudulentas, na medida em que essa atribuição deixaria de ser de sua competência e passaria a ser de responsabilidade exclusiva da Justiça do Trabalho. A Justiça do Trabalho, por sua vez, só age sob provocação e como o fiscal não pode provocá-la, apenas o prejudicado, o ex-empregado, e agora prestador de serviço, jamais irá questioná-la na justiça, porque, ao buscar o acessório, corre o risco de perder o principal: o trabalho.
A transferência dessa atribuição para a Justiça do Trabalho significaria, na prática, a legalização da fraude, porque, além de o trabalhador não querer reclamar, para não perder o seu ganha pão, a Justiça do Trabalho não teria pessoal nem magistrados para atender a essa nova atribuição. Se atualmente ela leva em média dez anos para decidir um processo, imagine se tiver que aumentar ainda mais sua carga de trabalho.
Portanto, o setor empresarial pode até ter — e efetivamente tem — razão quanto aos pesados encargos que incidem sobre a folha, mas a solução não passa pela emenda 3 nem pela precarização das relações de trabalho. Impõe-se, assim, a manutenção do veto pelo Congresso, sob pena de agressão aos direitos dos trabalhadores e aos cofres públicos, e encontrar uma solução que resolva o problema de natureza tributária.