Emenda 3, o que é isso afinal?

Desde que o presidente da República vetou a chamada emenda 3 do projeto de lei que criou a Super Receita, que se discute o objeto dessa emenda, sem que se tenha uma visão clara sobre as implicações de seu conteúdo. O texto vetado, aparentemente neutro, tr

No Brasil tem sido comum as grandes empresas, especialmente na área de comunicação, exigirem de seus empregados que se transformem em empresa individual ou pessoa jurídica para contratá-los como prestadores de serviços, livrando-se do pagamento de uma série de encargos trabalhistas e previdenciários, numa clara burla ao Direito do Trabalho.


 


O ex-empregado, que se transforma em empresa ou pessoa jurídica, deixa de ser empregado e passa a ser um prestador de serviços, mas continua cumprindo horário, recebendo ordens e exercendo as mesmas atividades de antes, nas dependências do contratante. Quem presta serviço nessas circunstâncias, em atividade não eventual, é considerado empregado, segundo o art. 3º da CLT.


 


A conseqüência da mudança de status —  de pessoa física e empregado para pessoa jurídica e prestador de serviços — é que o ex-empregado não terá mais direitos trabalhistas, como férias, 13º terceiro, FGTS, multa por ocasião da demissão, nem previdenciários, como aposentadoria, auxílio-doença, auxílio-reclusão e licença-maternidade, entre outros, exceto, no caso da previdência, se continuar segurado do INSS e pagar 20% sobre o mesmo valor que, como empregado, pagava de 8 a 11%.


 


A empresa contratante, por sua vez, além de poder contar com a prestação de serviços ininterrupto pelos 12 meses do ano (empresa não tira férias), ainda fica livre do pagamento para o INSS de 20% sobre a folha, a titulo de contribuição previdenciária; não terá que pagar 13º nem 30 dias férias, acrescidas de um terço; não pagará contribuição para o sistema “s” sobre esse prestador de serviço; não terá que pagar 8% de FGTS; não terá que pagar aviso prévio proporcional nem tampouco pagar a indenização de 40% sobre o montante do FGTS.


 


Pelas regras atuais, o fiscal do trabalho, em sua atividade de rotina, quando encontra uma situação semelhante a essa, de clara burla do direito do trabalho, autua a empresa, aplica as devidas multas e desfaz a irregularidade, transformando o trabalhador de prestador de serviço em empregado, com todos os direitos inerentes à condição de empregado, e conseqüentemente desconstitui a pessoa jurídica fraudulenta.


 


Já o texto da emenda, aparentemente neutro, se for transformado em lei terá conseqüência graves sobre as relações de trabalho e os cofres públicos porque impede que o Fiscal do Trabalho possa fiscalizar, mesmo as situações fraudulentas, na medida em que essa atribuição deixaria de ser de sua competência e passaria a ser de responsabilidade exclusiva da Justiça do Trabalho. A Justiça do Trabalho, por sua vez, só age sob provocação e como o fiscal não pode provocá-la, apenas o prejudicado, o ex-empregado, e agora prestador de serviço, jamais irá questioná-la na justiça, porque, ao buscar o acessório, corre o risco de perder o principal: o trabalho.


 


A transferência dessa atribuição para a Justiça do Trabalho significaria, na prática, a legalização da fraude, porque, além de o trabalhador não querer reclamar, para não perder o seu ganha pão, a Justiça do Trabalho não teria pessoal nem magistrados para atender a essa nova atribuição. Se atualmente ela leva em média dez anos para decidir um processo, imagine se tiver que aumentar ainda mais sua carga de trabalho.


 


 


Portanto, o setor empresarial pode até ter — e efetivamente tem — razão quanto aos pesados encargos que incidem sobre a folha, mas a solução não passa pela emenda 3 nem pela precarização das relações de trabalho. Impõe-se, assim, a manutenção do veto pelo Congresso, sob pena de agressão aos direitos dos trabalhadores e aos cofres públicos, e encontrar uma solução que resolva o problema de natureza tributária.

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