Buzu da história

Em longa matéria em seus noticiários, a Rede Globo criticou outro dia o transporte escolar em barcos no Pantanal Maranhense, como um drama inconsolável daquelas crianças e suas famílias. Talvez fosse melhor abrir estradas, muitas pontes e colocar ônibus escolares como os que circulam nas cidades, é o que se deduz.

Na prática, a emissora uma vez mais perde o buzu da história. Uma coisa é criticar as condições desse transporte, que a matéria também faz, é bem verdade. Mas outra, muito outra, é desaprovar a modalidade, que foi o seu foco principal, como se a navegação em rios, lagos e mares fosse algo menor, desprezível.

É certo que o transporte escolar melhorou muito nos últimos anos em todo o país, com a farta distribuição de ônibus às prefeituras, por conta do governo federal. Seja qual for a modalidade, no entanto, é de igual modo certo que o mais apropriado seria ampliar a rede e fortalecer as escolas rurais, dando a elas o caráter de centro de convivência que devem ter, em vez de levar as crianças às cidades.

O fato é que, lá no Maranhão mesmo, quem quiser chegar ao Sudeste do país, hoje, depende do automóvel, do ônibus ou do avião, porque o transporte de cabotagem deixou de existir. Foi-se o tempo do Ita do Norte com seus barcos que saiam de Belém do Pará, com a primeira parada em São Luís e dalí iam pingando até o Rio de Janeiro.

Na Amazônia nem se fala, pois ali milhões de pessoas só têm os rios como vias e o barco como meio de locomoção. Ou no Pantanal Mato-grossense, pra citar os exemplos mais óbvios. Mas, em grande número de cidade brasileiras, do Caburaí ao Chuí, as populações poderiam usufruir dessa modalidade de transporte. Pra isso, porém, carece de quebrar o conceito de mobilidade em vigor, em que o sistema sobre pneus reina com prioridade absoluta.

O que se vê, contudo, é um movimento no sentido contrário. As localidades que têm investido em ciclovias, como São Paulo, Brasília, Salvador e Goiânia, também são alvos de constantes críticas de boa parte da mídia, que deveria apoiar essas iniciativas. Afinal, em todo o mundo há enorme preocupação com o excesso de automóveis nas áreas urbanas.

É claro que, em primeiro lugar, há que se investir no transporte público de qualidade, se possível mais barato, mas pra isso as prefeituras e governos estaduais precisam enfrentar as máfias existentes na maioria das cidades. Em Maricá, cidade fluminense com 143 mil habitantes, acaba de ser instituído o passe livre pra todos, quebrando uma espécie de tabu que existe em torno do transporte público no Brasil. Prova que o transporte gratuito é possível.

O prefeito de Maricá fez as contas e demonstrou que fica mais barato dar transporte de graça a todos os cidadãos do que pagar por algumas isenções às empresas privadas. A prefeitura de lá pagava R$ 400 mil por mês apenas pela locomoção de seus funcionários na rede de ônibus local, sem contar outros subsídios (idosos, deficientes e outros). Agora, com o passe livre, são gastos menos de 800 mil mensais com todo o sistema. Havia um ralo no caixa, portanto.

Com o transporte escolar as distorções também são grandes em todo o país, já que é quase sempre terceirizado a empresas, que têm no lucro seu objetivo maior. Ademais, se convencionou que esta é uma tarefa exclusiva de ônibus. E ir pra escola de barco é feio.

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