A aplicação da lei

O terceiro Congresso Nacional Unitário de Capoeira, 3º CNUC, alvo de ataques nazistas de um pequeno grupo de pseudo intelectuais, tem como tema central de seu debate a elaboração de um plano nacional para a Capoeira –PNC.

Este plano é na verdade um conjunto de propostas que visam subsidiar uma política pública de estado que fomente, incentive e garanta a prática plural e inclusiva da Capoeira em todo o território nacional. A proposta considera como elemento principal deste documento a aplicação da lei nº 12.288/10 que criou o Estatuto da Igualdade Racial. Esta importante conquista da realidade brasileira sequer é considerada e nem tampouco lida, muito menos entendida, por aqueles que só se guiam pela inveja racista e destilam preconceitos e ódio contra os que tentam se organizar para exigir sua fundamental aplicabilidade.

Ocorre que no ambiente de atraso conservador em que vivemos no país os que se dizem não racista da boca pra fora, sequer se dão ao luxo de enfrentar em argumentos a questão.
O III CNUC, portanto, entende, majoritariamente que o debate sobre o Estatuto é questão nodal para a definição da encruzilhada história em que se encontra a Capoeira secular, combativa e guerreira.

A lei 12.288 entrou em vigor no dia 20 de julho de 2010 contendo uma série de direitos, obrigações estatais, objetivos e metas que dizem respeito a todos os brasileiros.

O Estatuto da Igualdade Racial abarca um conjunto de garantias: adota o princípio jurídico da promoção da igualdade/ação afirmativa; inclusão social da população negra; acesso à saúde; educação, cultura e lazer; liberdade de crença; acesso à terra e moradia; trabalho e meios de comunicação.

“Há ainda três características nesta lei que requerem especial atenção de gestores, operadores do Direito e organizações sociais: • Descentralização da política de promoção da igualdade racial, comprometendo a União, Estados, Distrito Federal e municípios; • Previsão de que os orçamentos da União, Estados, Distrito Federal e municípios criem rubricas específicas para programas e ações de promoção da igualdade racial; • Reconhecimento de que a responsabilidade do Estado na execução destas políticas somente terá êxito se contar com a contribuição da sociedade civil, das empresas e dos indivíduos. O Estatuto da Igualdade Racial é um marco jurídico cuja efetivação confere nova estatura ao nosso país, tornando-o mais democrático, justo e igualitário.”

Prevê o Estatuto da Igualdade Racial que ao Estado cabe mais do que combater a discriminação: é dever do Poder Público, nas três esferas de governo, assumir um papel positivo, proativo, visando promover a igualdade. Reprimir a discriminação, inclusive por meio de leis penais, é importante, mas não resolve o problema.

“A atuação meramente repressiva tem pelo menos duas limitações: 1. O poder público assume uma postura passiva, somente entrando em campo depois que ocorre a discriminação; 2. Atinge-se somente os efeitos (a ação discriminatória), mas não as causas – os valores, a ideologia racista, o preconceito e o estereótipo antinegro. Promover a igualdade significa que o Estado deve agir preventivamente, positivamente, adotando todas as medidas para que a igualdade jurídica se traduza em igualdade na prática; igualdade de oportunidades e de tratamento. Não se trata, portanto, de um jogo de palavras, uma questão semântica. O princípio jurídico da promoção da igualdade (ação afirmativa), reafirmado pelo Estatuto da Igualdade Racial, significa que em todas as áreas de política pública o Estado deve preocupar-se em garantir que a população negra tenha as mesmas oportunidades e o mesmo tratamento: na prática e não apenas no papel.”

O Estatuto é nítido especialmente em dois aspectos: “1. Ao planejar políticas públicas, em qualquer área de atuação, o gestor tem obrigação de destinar parte dos recursos à promoção da igualdade racial; 2. As organizações sociais têm a obrigação de acompanhar os debates sobre planos plurianuais, leis de diretrizes orçamentárias e leis orçamentárias anuais, visando assegurar a inclusão de programas de promoção da igualdade”.

Sem previsão de recursos financeiros que deem suporte à política pública, ela fica limitada à intenção e o segmento interessado fica na dependência da boa vontade do gestor público. Tem mais: não basta previsão orçamentária; é preciso também acompanhar a execução do orçamento e estabelecer metas e objetivos que permitam monitorar a ação do Poder Público. Somente assim o Estatuto da Igualdade Racial terá eficácia no cotidiano dos brasileiros.

A Capoeira é diretamente beneficiada pela lei. Talvez seja a principal diretamente envolvida que foi agraciada com o resultado da luta direta de alguns que lá estavam e fizeram um esforço para incluir no texto final, em sua plenitude questões fundamentais.

Na Seção II “Da Educação”, contempla questões relativas a inclusão da Capoeira nas escolas e universidades. Na Seção III “Da Cultura” é explicito em seu artigo 20 “O poder público garantirá o registro e a proteção da capoeira, em todas as suas modalidades, como bem de natureza imaterial e de formação da identidade cultural brasileira, nos termos do art. 216 da Constituição Federal.”

E na Seção IV”Do Esporte & Lazer” deixa ainda mais nítido o entendimento quando em seu artigo 22 e seus dois parágrafos. Procurar garantir a aplicação da lei, através de um plano nacional, articulado, consistente que garanta a concretização desta histórica vitória do nosso povo é o debate, é o objetivo. O resto é chororô (lamento, lamuria, choro, reclamação, drama sem motivo) de quem ao não ter capacidade tenta desviar o foco.

Vamos ao debate! Coragem, estamos no começo ainda.

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