“Branco Sai, Preto Fica”, marcas do racismo

Cineasta brasiliense Adirley Queirós mescla gêneros cinematográficos, cultura afro e de luta contra o Sistema para denunciar o racismo no país

Este é um filme em que a polícia pede aos brancos para deixarem o baile black para massacrar os negros. Daí “Branco Sai, Preto Fica”. Mas, se o poder burguês insiste em ver balada dos afros como reduto marginal, em Ceilândia, periferia de Brasília, em 1986, desde a luta pela abolição da escravatura (13/05/1888), já os perseguiam na gafieira. Assim, o que o cineasta Adirley Queirós faz é apontar o racismo como seu modus operandi, indicando a resistência como a saída para a comunidade negra.

Mas para dar conta desta multifacetada narrativa, Queirós se vale da ficção, do documentário e da ficção científica. E divide seu filme em três vertentes, para lhe dar sentido: 1 – a ação do DJ afro (Marquim do Tropa), preso à cadeira de rodas, devido à violência policial, para superar o trauma; II – a luta do ex-jogador de futebol Sartana (Shokito), que perdeu a perna ao ser baleado pela PM, no mesmo baile black; III – a missão do agente do futuro Dimas Cavalanças (Djalma Durães) contra o poder racista.

Inexiste, porém, uma trama, que faça a narrativa andar. Os entrechos das vertentes entram e saem deixando o sentido para o espectador. O DJ e Sartana são vítimas que procuram levar adiante suas vidas, numa Brasília fria, de vias desertas, prédios feios e quase desabitada. E os ambientes são dominados por estruturas metálicas, estreitos corredores, elevadores e máquinas de ataque. Apenas Cavalanças circula por espaços de ficção científica, em busca dos culpados pela desumana situação dos afros.

Vingança é a liderança do hip-hop e funk

O que prevalece é o clima ditado pelo rap, hip-hop, o funk, que o DJ transforma numa forma de resistência. Com o técnico em gravação (DJ Jamaika), ele pesquisa novas músicas, cujos padrões e batidas fogem ao som e ritmo dominante. Não à toa, estes gêneros musicais (e se trata disso) engoliram o rock e a MPB nas camadas populares, ocupando espaço onde antes eram excluídos. Forma de os afros, através da cultura, resistirem à exclusão imposta pelo Sistema.

Seu correspondente na arte brotada das ruas, dos aglomerados, dos mangues, é o grafite nas paredes e muros a traduzir angústias, choques e gritos dos oprimidos nas entranhas das megalópoles. E se funde com o rap, o hip-hop, o funk, repetindo suas incessantes batidas, para revolutear corpos em pistas de concreto. O modo como Queirós faz o DJ introduzir o baile black na abertura do filme, numa voz em crescendo, através de takes dos afros sendo massacrados, traduz esta fusão de som e imagem.

Seus cortes para Sartana, buscando próteses que o permitam andar sem dificuldade, dimensionam o grau de violência racial nos grandes centros urbanos. O jovem afro é sua maior vítima. Dos 30.000 jovens assassinados em 2012, 23.100 eram afros, segundo a Anistia Internacional. São tetranetos dos 4.009.400 milhões de africanos trazidos da África para sustentar a economia do Brasil colonial. Mas continuam submetidos aos senhores escravocratas das mansões e resorts do sistema capitalista.

Agente luta pela reparação aos afros

Mesmo assim, Queirós fugiu ao didatismo, em sua estruturação, muitas vezes alegórica. Quando surgem os entrechos do agente do futuro, eles vêm através da voz feminina no monitor de TV. Ela sempre o alerta para o cumprimento de suas etapas na terra. Deve obter reparação do Sistema para os danos e sofrimentos causados aos afros, desde o período da escravidão. Estas menções permitem ao espectador fazer as ligações entre o presente e o passado das vítimas do baile black e entender a reparação.

Se na primeira e segunda parte, a ficção científica é apenas referencial, na terceira se torna um acerto de contas entre o agente do futuro e o Sistema, simbolizados pelos Três Poderes. Na visão de Queirós, a luta deve ser dirigida contra o Sistema, porquanto apenas sua mudança reverte a violência contra os afros. No combate entre eles, a ação do agente do futuro é alegórica, sem qualquer realismo ou cenário que o configure.

Este recurso usado por Queirós contrapõe-se aos das ficções científicas hollywoodianas: os blockbusters com seus cenários e efeitos especiais futuristas, que consomem milhões de dólares. O espectador é chamado a visualizar o que o agente do futuro grita: “Toma! Toma lá”, durante o combate contra o Sistema. Não é, portanto, uma luta só política, mas também ideológica, contra o supostamente invisível capitalismo.

Desta forma, Queirós não só prestou uma homenagem ao cinema de resistência, terceiro-mundista, estruturou seu filme com tema e elenco afro, numa discussão ao mesmo tempo política e cultural. Ajuda o espectador a se conscientizar da necessidade da resistência ao preconceito contra os afros e sua cultura, mas também da urgência de mirar o alvo certo e não cair nas armadilhas do “aceitar seu lugar”.


“Branco Sai, Preto Fica”. Drama. Brasil/Brasília. 2014. 90 minutos. Trilha sonora: Dilmar Durães, Jefferson Alves, Antônio Marcos. Montagem: Guile Martins/Adirley Queirós. Fotografia: Leonardo Feliciano. Roteiro/direção: Adirley Queirós. Elenco: Marquim do Tropa, Dilmar Durães, Shockito, DJ Jamanka, Gleide Firmino.

(*) Prêmios – Festival de Brasília 2014: Melhor Filme, Ator, Direção de Arte. Prêmio da Crítica.

– Festival de Mar Del Plata, Argentina: Melhor Filme.

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