“Para Sempre Alice”, memória em branco

Filme da dupla estadunidense Richard Glatzer/Wash Westmoreland sobre jovem linguista com Alzheimer  oscila entre didatismo e documentário

A tela branca como metáfora da etapa final do Mal de Alzheimer diz mais que o olhar paralisado da doente. Significa que todas as funções da memória foram deletadas, sem chance de recuperação de sua vivência. Então, o espectador perde contato com a personagem e não faz sentido com ela reconectar-se. Só existe o ser físico desconectado do consciente e do subconsciente, e de suas conexões com o mundo ao redor.

Em “Para Sempre Alice”, a personagem-título vê diluir seus 50 anos de vida. Professora de Linguística na UCLA (Universidade de Columbia, em Los Angeles), autora de importante livro sobre o funcionamento dos neurônios, tranquila mãe de três filhos adultos, casamento estável, ela perde noção de quem é. Alice Howland (Julianne Moore) deixa de ser a mulher ativa, com tripla jornada de trabalho (universidade, palestras, casa) para se tornar totalmente dependente da família.

A dupla de diretores/roteiristas Richard Glatzer/Wash Westmoreland, a partir do romance de Lisa Genova, expõe sua queda de forma didática e documental, desde os primeiros sintomas dessa degenerativa doença. Rara em sua idade, atingindo apenas 5% das pessoas com menos de 65 anos, ela a herdou geneticamente. E em cada etapa vê-se o que ela representa para Alice e o 1 milhão de portador do Alzheimer no Brasil.

Decadência beira o horror

Ela dá-se conta da doença desde que esquece um termo linguístico durante palestra na UCLA, perde o ingrediente da torta, não lembra o nome da namorada do filho, fica tonta durante a caminhada diária pelo parque, até a desorientação total ao entrar no armário da cozinha ao invés de no banheiro. A partir daí necessita da ajuda do companheiro John (Alec Baldwin) e da filha Lydia (Kristen Stewart) para continuar vivendo.

Ainda incurável, sem atenuantes, salvo alguns remédios, o Alzheimer é mais letal que o câncer. Quem o contrai, segundo dados da Associação dos Portadores do Alzheimer (Alz.org/brasil), organização internacional, tem dificuldade para executar tarefas cotidianas e para identificar imagens, confunde locais e pessoas, não consegue falar ou escrever, pois as células do hipocampo do cérebro são apagadas. Sua origem está associada ao Gene APOE-E4, em 26%. E o doente sobrevive no máximo oito anos.

De forma linear, sem fios ou subtramas, a dupla Glatzer/Westmoreland centra a ação em Alice. Seus filhos, enquanto personagens, quase não aparecem: Anna (Kate Bosworth), grávida, se envolve pouco com ela; Lydia vive às turras com a mãe por optar pela carreira de atriz; Tom (Hunter Parrish), médico, como o pai, vive afastado. Resta, John, a oscilar entre a carreira e ela.

Filhos e netos já têm a doença

Ambos têm vida atribulada, de viagens contínuas e desmedidas ambições. Quase chegam ao impasse quando ele decide mudar para outro estado, devido a carreira. Então, já doente, Alice o demove da ideia. No entanto, os incidentes entre eles, e ela e Lydia, carecem de densidade dramática para configurar choques e aumentar a tensão. Resta a doença.

Esta, sim, representa a ameaça não só para Alice, mas para seus filhos e netos. Os gêmeos de Anna já nascem com a doença no DNA. Todos estão desde já com a vivência datada. Apenas Lydia não vê razão para pânico. Mas o horror se estabelece no seio dos Howland, como no de milhões de famílias planeta afora.

É emblemático que Genova e a dupla Glatzer/Westmoreland tenham configurado a narrativa em Alice, personagem olimpiana (deusa, para os gregos). De alta classe média, esbanjando energia, é saudável demais para ser vulnerável ao Alzheimer. Daí seu espanto ao ser comunicada pelo neurologista Travis Benjamin (Steve Kunken) de que é portadora da doença. Nada é inexorável.

Isto reforça a visão político-ideológica hollywoodiana de que a queda dos ricos chama mais atenção que a do cidadão comum. É um cinema de classe, voltado para a classe média, que seduzida pela vida burguesa se projeta até mesmo em seus dramas. Enfim, sem identidade, devaneia.

No entanto, o filme permite a Hollywood manter a tendência de ter personagens fortes, portadores de doenças incomuns, em sua cinematografia. Em 2014, além de “Para Sempre Alice”, teve “A Teoria de Tudo, de James Marsh”, com Eddie Redmayne, vivendo o astrofísico Stephen Hawking, portador de doença motora degenerativa. A lista inclui ainda os bons: “Rain Man”, de Barry Levinson, sobre autismo, com Dustin Hoffman (1988); e atrofia degenerativa: “Meu Pé Esquerdo”, de Jim Sheridan, com Daniel Day Lewis, (1988).

Estas abordagens são, porém, menos ousadas que a do austríaco Michael Haneke ao tratar do Alzheimer na terceira idade em “Amor” (2012). Sozinho, o casal de idosos vê a morte chegar para um deles e a saída é surpreendente. Já Julian Schnabel prefere, em “O Escafandro e a Borboleta” (2007), inverter a construção do caso do tetraplégico, que escreve um livro movendo apenas o olho são: mostra-o lutando pela vida. Diante deles, a validade deste “Para Sempre Alice” está em alertar o espectador para o risco do Mal de Alzheimer. Já é o bastante.


“Para Sempre Alice”. (Still Alice). Drama. EUA. 2014. 101 minutos. Editor: Nicolas Chaudeurge. Música: Ilan Eshkeri. Fotografia: Denis Lenoir. Roteiro/direção: Richard Glatzer/Wash Westmoreland. Elenco: Julianne Moore, Alec Baldwin, Kristen Stewart, Kate Bosworth.

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