“L’audace, toujours l’audace”

Despencando nas pesquisas (13%, segundo o Datafolha do último dia dez), cercada por um amplo e inusitado complexo partidário-midiático de oposição e pelo exasperado ódio de boa parte da classe média, refém de uma ala oportunista do PMDB.

Rodeada por aconselhamentos políticos incapazes de compreender a natureza da atual crise política e, portanto, de agir na crise, a presidente Dilma Rousseff terá, a médio prazo, a chance de retomar a iniciativa e partir para virar um jogo no qual vem perdendo de lavada. Bastará vetar o PL-4330.

Claro que o veto não se prenderá apenas a uma necessidade de momento. No fundo, é imperativo a um governo que se diz de esquerda (quem sabe de centro-esquerda), pois não há sagacidade tática que justifique, em nome da governabilidade, uma traição dessa monta à classe trabalhadora.

O veto, obviamente, não será a vara de condão capaz de salvar o governo das cordas. E parece certo que, ocorrendo, será derrubado pelo congresso visceralmente reacionário eleito em outubro passado. Mas a presidente terá demonstrado, sobejamente, à opinião publica, sobretudo aos eleitores que a reconduziram à Presidência em outubro e vêm se sentindo traídos, de que lado está e que se mantém fiel ao compromisso de “nenhum passo atrás, nenhum direito menos”, assumido durante a posse.

Em não vetando o PL, ou vetando apenas parcialmente, a presidente sinalizará o contrário, associando-se aos que promoveram, com a aprovação do PL-4330, o maior retrocesso nas leis trabalhistas nos últimos 50 anos. Cedo ou tarde, embaralhando informações e contando com a conveniente desmemória popular, a oposição de direita transferirá às costas da presidente toda a culpa pelos resultados catastróficos da terceirização (melhor dizendo, da precarização do trabalho) que certamente virão.

Ainda transcorrerá um bom tempo até que a presidente veja-se diante da sanção ou do veto do PL-4330. Decidindo-se desde já a vetá-lo, ela própria ou seus representantes no governo ou no legislativo, ou os partidos progressistas que a apoiam deverão ir ao povo para as devidas explicações. A direita embala a terceirização numa fraseologia modernosa (como fez com as privatizações no tempo de FHC, para citar apenas um exemplo), ocultando sua real natureza de precarização geral do trabalho. Os trabalhadores, que são a maioria da sociedade brasileira, não sabem exatamente do que se trata.

Em artigo – “Presidenta, vá à TV e denuncie a terceirização. E depois vete” – em seu blogue Cidadania, Eduardo Guimarães alerta: “Quantos engenheiros, analistas de sistemas, operadores do mercado financeiro, advogados, analistas de TI etc., etc., que foram à rua protestar contra Dilma, não irão receber um bilhete azul e, em seguida, uma proposta de recontratação por empresa terceirizada, obviamente que com salário mais baixo?”.

Com o veto ao PL-4330, e o consequente início de uma viragem no jogo político brasileiro do momento, a presidente começará a assumir um protagonismo que até agora lhe tem faltado neste segundo mandato. Um protagonismo essencial para que as forças democráticas e progressistas retomem a iniciativa política. Costuma-se – não sem razões – mencionar a necessidade de Dilma, numa parceria irrecusável com o ex-presidente Lula, promover os arranjos amplos e plurais necessários à recomposição de sua maioria congressual.

Mas isso não basta. À presidente cabe se reencontrar com a base social que a elegeu em outubro. Penso que aí está o centro do desafio político atual, da parte do governo e das forças que o sustentam. E tal reencontro não se dará, nessa altura dos acontecimentos, com retórica, promessas ou acenos vagos, mas com medidas impactantes que vinquem sua posição, de, repito, não promover “nenhum passo atrás, nenhum direito menos”. Uma dessas medidas será o veto ao projeto da precarização do trabalho.

Antes, porém, haverá tempo suficiente para que a presidente marque outro tento em seu soerguimento político: a defesa clara, pública e inequívoca da taxação das grandes fortunas. Assim, oferecerá razões ao povo para sair às ruas contra o golpismo e pela legitimidade do seu mandato.

As manifestações da presidente, no entanto, tem sido tímidas e, no meu entender algo diversionistas. Na quinta, 9, ela afirmou que a terceirização não pode “comprometer direitos dos trabalhadores”. Ora, a terceirização é, em essência, um golpe nesses direitos Para a presidente, “temos de garantir que as empresas contratadas assegurem o pagamento de salários, de contribuições previdenciárias e, ao mesmo tempo, também paguem seus impostos”. Isto significa aceitar a terceirização.

Em resumo, enfrentar o retrocesso representado pela PL-4330 (e os demais retrocessos que integram a perversa pauta da direita para o Brasil), cobra não apenas lucidez política, clareza de rumos, mas também – talvez sobretudo – coragem, ousadia, atrevimento patriótico. Como dizia Danton, um dos líderes da revolução francesa: “L’audace, l’audace, toujours l’audace”. Audácia, audácia, sempre audácia.

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