Whiplash – Em Busca da Perfeição”, ritmo sádico

Música e sadismo matizam filme do cineasta estadunidense Demien Chazelle sobre confronto de professor inclemente e aluno obcecado.

Filmes sobre professor sádico que tiraniza a vida do aluno imaturo são variações do sargento durão que inferniza o recruta para torná-lo durão (“Força do Destino”, Taylor Hackford, 1982). É o caso deste“Whiplash – Em Busca da Perfeição”, que se passa no Conservatório Shaffer, em Nova York. O roteiro do diretor Damien Chazelle segue à risca as “convenções” deste quase “gênero de filme”, que mostra a capacidade do ser humano de humilhar e provocar dor no outro para, supostamente, o transformar.

Isto se dá normalmente aos berros, imposições, palavrões, slogans belicistas, fragilizando a vítima a ponto de estraçalhar seu equilíbrio psicológico. Tal o intento do sargento Hartman (R.Lee Ermey) diante dos atarantados recrutas, numa base dos EUA, durante a Guerra do Vietnã, em “Nascido para Matar” (1987). A intenção de Stanley Kubrick (1928/1999) era mostrar como o exército estadunidense os tornavam máquinas de matar. Mas também verdadeiros psicopatas ou suicidas potenciais.

Neste clássico anti-vietnã, o recruta Gomer (Vincent D´Onofrio), depois de ser reduzido a “abóbora”, põe o fuzil na boca e estilhaça os miolos. Em “Whiplash”, chicotada em inglês, o estudante de bateria, Andrew Neyman (Miles Teller), é instigado pelo inclemente professor Terence Fletcher (J.K.Simmons) a atingir a perfeição a tal ponto que seus dedos sangram. Outro aluno seu acaba se suicidando diante de sua “didática”, eivada de citações de gênios do jazz, não como saudáveis influências, mas para serem imitados à risca.

Fletcher impõe ritmo inalcansável

Ocorre que eles são o caucasiano Budd Rich (1917/1987), considerado o maior baterista de todos os tempos, e o afro-estadunidense Charlie Parker (1920/1955), saxofonista criador do Bebop (Bird, Clint Eastwood, 1988), que revolucionou o ritmo, a harmonia e a melodia do jazz. E Neyman é só um garoto esforçado, querendo encontrar sua vocação. Porém, Fletcher com seu duro olhar, voz cortante, impõe-lhe um ritmo tão intenso que ele não o acompanha. ”Não está no meu ritmo”, repete ele, sempre.

No entanto, Chazelle não demonstra a intenção de aprofundar a análise psicológica dos personagens, elucidando atitudes e intenções de Fletcher. É um personagem intenso, sem nuances que possam humanizá-lo. Não tem passado ou relações familiares ou de amizade. Existe apenas naqueles instantes que exerce um poder avassalador sobre os alunos, fechados numa sala, presos às suas cadeiras, agarrados a seus instrumentos, prontos a receber sua sabedoria musical. Nada mais.

É como se fosse o demônio numa ação de vingança por não ter os talentos de Buddy Rich ou Charlie Parker e quisesse obrigar os calouros a alcançar os píncaros. O único vislumbre dele, quando deslocado das trevas, se dá ao ser flagrado por Neyman num recatado clube tocando piano. Chazelle torna-o, assim, uma entidade que existe acima da direção da escola e tem seus instantes de quase humanização quando seu próprio método depõe contra ele.

Neyman desconfia do próprio talento

Seu antagonista, o jovem Neyman, vive com o pai (Paul Reiser) e incorporou de tal forma a tirania dele, que vê na namorada Nicole (Melissa Benoist) empecilho para ser um bom baterista. Além disso, sua obsessão se torna deficiência, por desacreditar em sua capacidade e talento. Quanto mais ensaia e tenta seguir o ritmo do “mestre”, mais se fragiliza, pois o método deste é frenético e não o permite encontrar a batida certa, para chegar ao frenesi de Rich. E o embate entre eles emerge naturalmente, como sempre acontece nestas construções hollywoodianas.

Chazelle usa a técnica do suspense, prolongando a ação, para manter o telespectador acesso. Recorre a ela várias vezes, fazendo Fletcher testar seguidamente três alunos para escolher o baterista-titular, interrompendo-os várias vezes. E insiste neste truque de seriado dos anos 30 (Os Perigos de Nioka), quando Neyman, mesmo sabendo ser impossível, decide chegar a tempo ao concerto que o confrontaria a Fletcher. Mas bate o carro, mas não desiste, justificando a tese da persistência do herói.

Mesmo o desfecho é apoteótico, com variações de suspense, de horror fantástico, esforço sobre-humano, tão característico dos filmes de aventuras. Esta tentativa de Chazelle fugir à trama musical, deixando sobressair o jazz, a bateria, cede espaço ao confronto físico, de egos, de reprimida frustração de Fletcher e o ódio que Neyman tem dele, mesclado à sua própria persistência. Assim, o rancor se sobrepõe à música.

Desfecho é puro delírio

Esta abordagem linear, sem subtramas ou grandes voos de câmera, termina ressaltando mais os personagens que a história, em si rala, dando aos atores a chance de brilhar. Principalmente J.K. Simmons. Seu Fletcher domina a ação; senhor do espaço, do clima e do ritmo do filme. Com perfeito domínio de cena, de voz e um olhar de esfriar a espinha. O jovem Miles Teller faz o atarantado, insubmisso, que não destoa, numa interpretação minimalista. O duelo final deles é puro delírio.

Whiplash – Em Busca da Perfeição (Whiplash) Drama. EUA. 2014. 109 minutos. Montagem: Tom Cross. Fotografia: Sharone Meir. Roteiro/direção: Damien Chazelle. Elenco: Miles Teller. J.K.Simmons, Paul Reiser, Melissa Benoist.

(*)Melhor Filme 2014 Festival Sundance

(**) Oscar 2015 de Melhor Ator Coadjuvante.

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