O Jogo da Imitação”, falso remédio

Um filme sobre a contribuição do cientista inglês Alan Turing para abreviar a 2ª Guerra Mundial, cineasta norueguês Morten Tyldum expõe o absurdo da homofobia

As roldanas em giro coordenado, provocando som de trem sobre trilhos, são a história girando em busca de seu desvendar. Diante delas, observando o protótipo do computador Colossus, o tenso grupo de improvisados cientistas esperavam que ele enfim decifrasse as mensagens enviadas pelo III Reich a suas tropas nas frentes de batalha. Esta sequência de “O Jogo da Imitação” assemelha-se à dos primatas diante do obelisco na aurora do planeta em “2001 – Uma Odisseia no Espaço” (Stanley Kubrick, 1968), pois é a aurora da computação.

Nem o Governo Winston Churchill (1874/1965) e tampouco seu idealizador, o matemático Alan Mathison Turning (1912/1954), então com 24 anos, imaginavam a revolução que desencadeavam. Seu objetivo militar era evitar baixas das forças aliadas, especialmente das britânicas, e ganhar a guerra. Para isso montou no Centro de Inteligência Britânica, em Bletchley Park, arredores de Londres, um grupo formado por matemáticos, campeão de xadrez e aficionados de palavras cruzadas para decifrar o Enigma montado por Adolf Hitler(1889/1945).

Seguindo a tendência de cinema moderno, o cineasta norueguês Morten Tyldum e o roteirista inglês Graham Moore estruturam o filme em vários centros de ação, a partir de “O Enigma da Inteligência”, biografia de Turing, escrita por Andrew Hodges, E para facilitar sua compreensão o transformam num thriller cheio de suspense, que dá conta das ações de Turing(Benedict Cumberbatch) em suas tentativas para fazer o Colossus decifrar códigos e mensagens do III Reich em tempo recorde.

Narrativa vasculha vida de Turing

Os centros de ação se dividem na investigação que o serviço secreto britânico M16 faz sobre ele, em suas relações com os integrantes do grupo no Projeto Enigma, principalmente com a matemática Joan Clarke (Keira Knightley), e nos flashbacks sobre sua adolescência numa escola secundaria. Assim o filme ganha em suspense, com a dupla Tyldon/Moore destacando a genialidade de Turing ao montar o computador Colossus, que decifrava 5 mil caracteres por segundo.

Aos poucos, ela vai denunciando as absurdas perseguições sofridas por ele. Inclusive na sequência em que o diretor da escola o repreende ainda adolescente (Alex Lawtler), por suas relações com o colega de classe Christopher (Jack Bannon). Desta maneira, o Estado, o Leviatã britânico, brotado das reflexões de Thomas Hobbes (1588/1679), dele se vale, enquanto cerceia sua sexualidade.

Entretanto, sua relação com Joan o ajudam a amenizar as pressões do comandante Denniston (Charles Dance), por acreditar ser a única a estar à sua altura. Mas ela não exige dele nada mais que presença e apoio psicológico. Principalmente depois de ele lhe revelar sua tendência sexual. Não consigo, lhe diz. Não tem importância, responde ela. Porém, este segredo inexistia para o chefe do M16, Stewart Menzies (Mark Strong), que sabia dos riscos legais, mas não o pressionava por isso.

Enigma evitou 14 milhões de mortes

Quando finalmente a guerra termina em 02/09/1945, o Projeto Enigma havia abreviado a guerra em dois anos e evitado a morte de 14 milhões de pessoas. E ele pôde desenvolver pesquisas sobre Inteligência Artificial (IA) e ciência da computação no Laboratório Nacional de Física no Reino Unido. O que durou pouco. Em 1952 foi processado por homossexualidade e obrigado a tratar-se com estrogênio, hormônio feminino, que o fez desenvolver seios, e levou-o à castração química e à depressão.

Em 07/06/1954 suicidou com cianeto em sua casa, onde, sem apoio oficial, continuava a desenvolver projetos. Nem sua contribuição ao Projeto Enigma o livrou do obscurantismo. Só em 10/09/2009, depois da campanha de 37 mil assinaturas, o então Primeiro-Ministro Gordon Brown pediu-lhe desculpas públicas e a Rainha Elizabeth II suspendeu, em 24/12/2013, sua condenação por homossexualidade, através da Real Prerrogativa de Perdão.

Entretanto, existem ainda 39 mil homossexuais britânicos à espera de inciativa semelhante. Daí a validade do cinema como arte que expõe as contradições político-ideológicas da sociedade capitalista. Tyldum e Moore, ainda que precedidos pelo telefilme “Quebrando o Código” (1996), baseado na peça de Hugh Whitemore, não deixam a contribuição de Turing cair no esquecimento ao denunciar a moral religiosa, conservadora e medieval.

Brasil pende para o obscurantismo

O que espanta é esta tragédia ocorrer na Europa tida civilizada, sempre a ditar normas éticas e morais a islamitas, hinduístas e outras religiões. Na verdade, os fundamentalismos se intercambiam. No Brasil ocupam espaços no parlamento, tendo como alvos as conquistas do movimento feminista a partir dos 60 e do Movimento LGBT nas últimas duas décadas. E põem em risco o equilíbrio do Estado Laico e a atuação do movimento religioso cristão-democrático-popular, que entende a urgência de avançar pelo diálogo, sem retrocessos. Que não surjam outros Turing.

"O Jogo da Imitação”. (The Imitation Game). Drama/thriller. Estados Unidos, Reino Unido. 2014. 114 minutos. Montagem: William Goldenberg. Trilha sonora: Alexandre Desplat. Fotografia: Oscar Faura. Roteiro: Graham Moore. Direção: Morten Tyldum. Elenco: Benedict Cumberbatch, Keira Knightley, Charles Dance, Matthew Goode.

(*) Oscar 2015: Melhor roteiro adaptado.

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