Novos desafios do movimento estudantil

No dia 3 de fevereiro participei, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), de um surpreendente Encontro Nacional de Escolas Técnicas (Enet), organizado pela União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes).

Surpreendente, basicamente, por dois motivos: a quantidade de alunos presentes, representando todas as regiões do país (mais de 1500 jovens inscritos) e o nível de maturidade e consciência política dos jovens participantes.

Arrisco a dizer, sem medo de errar, que nunca foi tão complexo organizar os estudantes como na atualidade. Ou seja, se minha geração enfrentou um inimigo exposto e evidente, responsável direto pelo sucateamento do ensino no país, privatizações e perseguição aos movimentos sociais, hoje o opositor se veste com pele de cordeiro e adota um discurso sedutor em torno de uma falsa moralidade, sendo bem mais difícil sua identificação e combate.

Os avanços e as conquistas da última década não são suficientes para corrigir as distorções históricas e seculares da educação brasileira e torna-se fácil o pragmatismo e o imediatismo seduzir incautos que, não raramente, são iludidos e contagiados justamente pelo discurso metafísico dos neoliberais que quando estiveram no poder deram as costas à educação pública.

Na mesa em que participei – que tratou de debater a expansão dos Institutos Federais -, compartilhamos algumas idéias que uma década atrás era praticamente impensável. Em outras palavras, o novo patamar em que se encontra a educação brasileira exige uma atualização das palavras de ordem e, mais que isso, das reivindicações desse estratégico movimento social.
Algumas perguntas/reflexões feitas pelos participantes do debate, em razão do tempo, ficaram sem respostas ou o devido aprofundamento sobre os temas polêmicos destacados.

A primeira questão levantada, com grande apelo entre os estudantes, é a falta de estrutura de alguns campi recém inaugurados. Em diversas intervenções foram realçadas as cobranças ao Governo Federal em se investir mais em construções de ginásios, laboratórios, bibliotecas, etc. A cobrança é justa, mas seu direcionamento é equivocado. Dez em cada dez reitores são categóricos em afirmar que recursos públicos para a educação não é problema na atualidade. Então, onde está o nó?

O problema reside justamente na gestão destes recursos por parte dos diretores destas instituições que gozam de autonomia para tal. Se antes a universidade sustentava-se no famoso tripé ensino, pesquisa e extensão, cada vez mais precisa se assentar em outro suporte que é a gestão. Esse tripé, contrariando as leis da física, é manco quando se desconsidera a gestão.

Mas não é somente a gestão. Há ainda a imprevisibilidade da conclusão das obras pelas empresas vencedoras das licitações. Exemplo disso foi a fala da reitora do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), professora Maria Clara, que quando cobrada por um de seus alunos presentes ao evento sobre a demora na conclusão de um ginásio de esporte explicou toda a luta jurídica travada contra uma construtora que descumpriu o contrato feito.

E nessa contenda, é importante ter ciência que nenhuma instituição de ensino e pesquisa nasce como um centro de excelência ou com toda a estrutura pronta e acabada. Isso tudo é um processo que não pode ser conduzido à margem das leis e dos procedimentos burocráticos legais. A Universidade Federal de Viçosa, em sua gênese, ainda nos idos da década de 1920, quando era chamada de Escola Superior de Agricultura e Veterinária (ESAV), não contava sequer com capachos suficientes para os alunos limparem suas botinas sujas de barro em um campus que ficava intransitável quando chovia. Até se tornar uma referência internacional levou-se alguns bons anos. Isso se passou em todas as universidades do mundo.

Já no que diz respeito à falta de livros, insumos de laboratórios ou outros recursos didáticos, é bom destacar que cabe ao servidor fazer a descrição desses materiais para serem comprados no rigor da especificidade. Quer dizer, o governo ou a fundação de apoio à pesquisa, por exemplo, não podem comprar indiscriminadamente um material qualquer sem saber se ele será usado (e para que será usado). Para isso, a burocracia é necessária para fazer jus ao investimento público na compra responsável do material. Não há falta de editais de compras. Mas infelizmente há falta de compromisso de muitos profissionais de ensino que preferem esperar tudo cair do céu.

Destaca-se também a cobrança de abertura de novos cursos. Mais uma vez, é imperioso destacar que as instituições de ensino gozam de autonomia para definir quando e que curso ofertar.

Certamente é o Governo Federal quem mais tem interesse em ampliar a quantidade de vagas em cursos novos. Professores são contratados mediante as novas necessidades que vão surgindo e, portanto, é preciso criar a demanda.

Outro ponto destacado é a grande rotatividade de professores entre os campi e as instituições. Um direito legítimo de servidores não pode sobrepor ao igualmente legítimo direito dos alunos de serem contemplados com uma sequência de aulas e atividades mínima com estes profissionais. O movimento estudantil precisa cobrar critérios nítidos das reitorias a fim de combater o balcão de negócios que virou a pressão pelas remoções e redistribuições. Caso esse problema prossiga, os campi mais afastados dos grandes centros continuarão, literalmente, na periferia.

Também o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) não foi poupado de críticas – o que é muito salutar. Mas talvez a crítica mais recorrente seja em razão da maior virtude do programa: o ingresso de trabalhadores que jamais sonhavam em ter acesso a um banco em sala de aula em uma instituição federal de ensino. Claro que para muitos, mesmo sendo analfabetos, esses cursos devem ter um formato mais prático, de menor duração e mais direcionado ao mercado de trabalho.

Assim sendo, não se pode confundir um curso integrado de enfermagem – destinado a alunos que já cursaram o ensino fundamental e com duração mínima de três anos -, com um curso de cuidador de idoso, por exemplo, que é destinado à trabalhadores em geral, muitas vezes sem a alfabetização mínima, e que nem por isso podem ser excluídos de frequentar a sala de aula e se capacitarem para o mundo do trabalho.

Por fim, é importante ressaltar que na atual quadra política é essencial o movimento estudantil disputar os rumos da expansão do ensino técnico e superior federal no país. Essa disputa passa muitas vezes por interesses corporativistas de pequenos grupos de professores e técnicos administrativos que correm o risco de ganhar maior envergadura. O movimento estudantil precisa cobrar maior envolvimento e comprometimento de todos os servidores, sobretudo exigindo a permanência dos professores os cinco dias da semana na instituição, pois o ensino é majoritariamente presencial.

Além do mais, a participação em todos os fóruns e conselhos de decisão deve contar com a presença de estudantes para defender seus interesses, sobretudo aqueles relacionados aos horários de aula, calendário escolar, às políticas de permanência (assistência estudantil), entre outras, que muitas vezes são conflitantes a interesses de grupos minoritários e interesses corporativistas.

Para quem achava que o movimento estudantil estava morto deve ter assustado com o tamanho do defunto. Essa revitalização, no entanto, deve vir acompanhada de intensa reformulação das bandeiras de luta e, sobretudo, combate aos golpistas que querem ver liquidado o governo popular e democrático iniciado por Lula e agora conduzido por Dilma que, diga-se de passagem, construíram mais que o dobro de escolas técnicas federais que todos os seus antecessores juntos.

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