Água, por fervor

Manaus, a capital amazonense, nasceu e cresceu às margens do exuberante encontro dos rios Negro e Solimões, que ali formam o Amazonas, o maior curso d’água do mundo. Ademais, a cidade está no meio da floresta amazônica e foi assentada sobre uma planície de igapós, que ficam alagados o ano inteiro, em habitat natural.

No entanto, boa parte dos manauras, seus habitantes, padece de falta do precioso líquido pra beber em suas casas. O caso é exemplar, pois engloba várias peças do imbricado mosaico que é o problema da água potável no Brasil. E começa pela principal delas, que é a da gestão.
Lá mesmo, o governo do estado acaba de fazer algumas obras, mas é a prefeitura que cuida do sistema e há descompasso nas ações, o que mantém torneiras secas até onde já há água encanada. É diferente do caso de São Paulo, por exemplo, pois ali a debilidade do sistema apareceu nos próprios reservatórios, que são poucos pra tanta gente.

A diferença entre os dois cenários está em que o primeiro continua com água por perto, enquanto o caso paulista se deve a uma estiagem prolongada, provocada por fatores climáticos. E aí entra uma questão mais geral, que é a previsibilidade cada vez menor do regime de águas das bacias de superfície, o que se reflete no subsolo.

Quando há falta aparente, a primeira providência é buscar a água no lençol freático, que está ligado a algum grande aquífero, e a ideia corrente é de que ali a seca não chega. Doce ilusão. Está mais que comprovado que a longo, médio ou até curto prazos também esses mananciais são finitos.
O efeito disso é visível a olho nu, pois as nascentes aqui em cima desaparecem e até os poços artesianos minguam. A causa desse processo não está no consumo, mas sim na produção, que está caindo como efeito principalmente do desmatamento nas superfícies. Afinal, são as plantas que retiram do ar a umidade necessária.

O modelo agropecuário em expansão no Brasil, dos grandes pastos e lavouras de grãos, em tese, coloca outra vegetação em lugar das plantas nativas depenadas. Contudo, essa mudança provoca danos graves sobre a vida em todos os biomas, como estamos vendo no Cerrado e na Amazônia nos dias atuais.

Quando se retira a vegetação na¬tiva dos chapadões, trocando-a por outro tipo, altera-se o ambiente, segundo estudos do Instituto do Trópico Subúmido (ITS), com sede em Goiânia (GO). O coordenador da entidade, arqueólogo Altair Sales Barbosa dispõe de estudos que remontam a milhões de anos da vida na Terra.

“Ocorre que essa vegetação introduzida – por exemplo, a soja e o algodão– tem uma raiz extremamente superficial. Então, quando as chuvas caem, a água não infiltra como deveria. Com o passar dos tempos, o nível dos lençóis vai diminuindo, afetando os aquíferos, que ficam menores a cada ano”, afirma ele.

Isso quer dizer que a questão da água é bem mais complexa. As ações dos governos acabam interferindo apenas na ponta final do processo, que é o abastecimento, deixando um pouco de lado o mais essencial, que é o suprimento.

No Brasil, da área federal sai o dinheiro pra estudos, planos e investimentos, além da proteção em parques nacionais. Os estados atuam no planejamento regional e em obras que normalmente abarcam vários municípios. E as prefeituras cuidam das redes de distribuição e investimentos localizados, de menor vulto.

Os cuidados com os mananciais, porém, estão meio ao Deus-dará. Há áreas protegidas nos três níveis da federação, mas a aplicação da legislação ambiental fica confusa. Assim, o barramento, assoreamento e poluição de nascentes e cursos d’água ocorrem em profusão.

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