O novo governo palestino

A semana que passou foi marcada por dois grandes fatos e acontecimentos políticos, num mesmo território que a ONU chama de Israel e o mapa da história mostra como sendo a Palestina. Em 28 de março, terça-feira, Ehud Olmert elegeu-se primeiro


A semana que passou foi marcada por dois grandes fatos e acontecimentos políticos, num mesmo território que a ONU chama de Israel e o mapa da história mostra como sendo a Palestina. Em 28 de março, terça-feira, Ehud Olmert elegeu-se primeiro Ministro de Israel, ainda que sem maioria no Parlamento israelense. No dia seguinte, quarta-feira tomou posse o primeiro gabinete palestino sob o comando do Partido Hamas.

Já comentamos sobre a biografia de Ismail Haniya. Mas, quase não falamos ainda de seu novo gabinete. Como nossos leitores já sabem, as eleições palestinas, vencidos pelo Hamas, ocorreram em 25 de janeiro passado e este agrupamento político elegeu 74 das 132 cadeiras, fazendo maioria folgada, de forma que não precisou fazer nenhuma composição para a formação do novo governo. No entanto, o grupo Hamas até que tentou, mas todos os outros grupos, especialmente a Fatah, recusaram-se a participar. A questão central da divergência foi o reconhecimento de Israel, coisa que o Hamas se recusa a reconhecer. Assim, o mais forte movimento histórico na Palestina, o fatah, decidiu abrir mão de participar do novo governo, por incompatibilidade política e programática.

Composição do novo governo

O novo primeiro Ministro é um dos mais novos na história e nos países da região. Nascido em 1963, Haniya tem apenas 43 anos. Morou desde a sua infância no campo de refugiados de Gaza, tendo estudado em várias escolas para refugiados das Nações Unidas, mas formou-se na Universidade Islâmica de Azhar, na área de educação e língua árabe. Esteve preso diversas vezes por participar ativamente da resistência à ocupação israelense. É um dos fundadores do grupo Hamas em 1992, que por sua vez tem influência direta da Irmandade Muçulmano do Egito, instituição que tem mais de 60 anos de existência e é considerado um grupo fundamentalista. Desde o estabelecimento da Autoridade Nacional Palestina, Haniya vem assumindo diversos cargos de destaque na Faixa de Gaza, sejam eles acadêmicos ou administrativos, mas em sua maioria políticos. Sempre foi muito ligado ao fundador do hamas, o xeique Ahmad Yassin, da qual era chefe de seu escritório político. Israel tentou assassina-lo diversas vezes, sendo que a última, em 2003, quando acabou matando Yassin, na cidade de Gaza.
O novo governo é composto por 24 ministros, de diversas áreas, sendo que alguns são militantes políticos, mas vários deles são também técnicos reconhecidos. Daremos a seguir um breve resumo do perfil dos principais cargos ministeriais, coisa que a grande imprensa não informou aos seus leitores:

·         Ministério das Relações Exteriores – Mahmoud Khaled Zahar – foi indicado para chefiar a diplomacia palestina. Tem 55 anos. É médico formado no Egito desde 1971, tendo feito mestrado em cirurgia em 1976. Esteve preso em Israel por diversas vezes, tendo sido brutalmente torturado. Trabalha no hospital da Universidade Islâmica de Gaza e foi chefe da Associação Médica da região entre 1981 e 1985. É autor de vários livros escritor de romances. Escapou dos atentados perpetrados por Israel contra lideranças do Hamas em 2003, o mesmo que matou Yassin;

·         Ministério do Interior e Assuntos Civis – Said Mohammad Siyam – Nasceu de uma família de refugiados palestinos em 1959, tendo 47 anos. É formado em matemática e Ciência. Estudou ainda na Universidade Aberta de Al Quds (nome de Jerusalém para os Palestinos). Lecionou em diversas escolas de refugiados palestinos criadas pelas Nações Unidas. Esteve preso diversas vezes por Israel, pela sua participação ativa na resistência palestina à ocupação. Foi eleito deputado no parlamento palestino em janeiro;

·         Ministério das Finanças – Omar Abdel Razeq – É professor de Economia na Universidade Nacional de Al Najah. Bem como pesquisador do Instituto de Estudos Econômicos da cidade de Ramallah, onde fica situado o Quartel General da Autoridade Nacional Palestina. Nascido em 1958, tem 48 anos. Recebeu o seu PhD pela Universidade de Iowa, nos Estados Unidos em 1986, na área de economia. É uma das personalidades palestinas mais respeitadas, tendo recebido diversos prêmios. Também como seus colegas ministros, esteve preso diversas vezes por Israel, na luta da resistência à ocupação;

·         Ministério da Saúde Pública – Basel Naem – É médico, tendo feito seu doutorado em cirurgia na Alemanha, tendo sido líder do bloco médico do grupo Hamas e do Fórum Médico Palestino. Teve um de seus filhos mortos por ataques israelenses contra palestinos. Foi um membro muito ativo de brigadas militantes palestinas;

·         Ministério da Religião – Nayef Al Rajoub – É autor de diversos livros sobre estudos islâmicos e políticos, tendo sido pregador na cidade de Hebron, na margem Ocidental do Jordão. É um antigo ativista e voluntários de causas sociais e assistenciais do povo palestino e organizações de caridade. Também esteve preso várias vezes em prisões israelenses. É considerado um dos líderes mais importantes do Hamas em Hebron, tendo sido eleito nas eleições de janeiro passado;

·         Ministério das Comunicações e da Informação Tecnológica – Jamal Al Khodary – É engenheiro elétrico e empresário, tendo sido eleito nas eleições de janeiro. Antigo militante do Hamas. Estudou no Egito, tendo retornado à Gaza para se engajar na luta de resistência. É membro do Sindicato dos Engenheiros Palestinos e do centro Palestino do Trabalho e foi diretor da companhia Palestina de Telecomunicações;

·         Ministério da Justiça – Ahmed Al Khaldi – É considerado um tecnocrata palestino e uma das pessoas que mais entende de legislação em seu país. É professor de direito na Universidade Nacional de Al Najaf, na cidade de Nablus, na Cisjordânia e foi um dos redatores da constituição palestina;

·         Ministério da Informação – Youssef Rezqa – Nasceu nos campos de refugiados de Gaza, é doutor em língua árabe, sendo professor da Universidade Islâmica. Um intelectual respeitado na Palestina.

Os outros ministérios existentes, aos quais não destacamos os currículos, são os seguintes, na estrutura governamental: Educação (Nasser El Deins Al Shaer), Esportes e Juventude (acumulado por Haniya, primeiro Ministro), Mulher (Maryam Saleh), Turismo (Tanous Abu Aita), Assuntos Sociais (Fakhri Tourkoman), Planejamento (Sameer Abu Aisha), Transportes e Comunicação (Abdel Rahman Zeidan), Agricultura (Mohammed Al Agha), Cultura (Attala Abu Al Sabeh), dos Prisioneiros (Wasfi Kabha), Assuntos de Jerusalém (Khaled Abu Arafa), do Trabalho (Mohammad Al Barghouthi), ministro sem pasta (Atef Edwan) e Secretário Geral do Governo, Mohammad Awad.

Como se pode observar, pelo menos nos ministérios mais importantes, o Hamas destacou quadros políticos e militantes antigos e provados da luta dos palestinos para ocuparem as funções de ministros. Há também vários técnicos e burocratas, especialistas em suas áreas.

A solenidade de posse, simples, ocorreu na Faixa de Gaza, na medida em que Israel impede que o primeiro Ministro, Haniye tenha trânsito livre pela Palestina e este esta ameaçado de ser preso se tentar ir para a Cisjordânia ocupada. O primeiro Ministro prestou juramento perante o presidente Mahmoud Abbas. No texto de seu juramento constava, entre outros termos: “juro ser fiel ao nosso lar nacional, a nossos lugares sagrados, a nosso povo, a sua herança nacional e respeitar a lei e o sistema constitucional, assim como proteger o interesse do povo palestino. Ala é minha testemunha”. Esse juramento foi prestado com a mão sobre um exemplar do Corão, livro sagrado dos muçulmanos.

O novo governo palestino vai tentar estabelecer contatos para a busca da paz, ainda que o governo eleito de Israel, conforme comentamos na semana passada, vá recusar esses contatos e exigir de antemão que o Hamas reconheça Israel. O novo ministro das relações exteriores, de certa forma e ainda que indiretamente, esta semana já praticamente admitiu essa existência, na medida em que fala que os palestinos precisam viver em paz com os seus vizinhos.

Esperamos que essa paz possa vir em breve, mas Israel precisa saber que deve entregar terras para conseguir a paz justa, verdadeira e duradoura. Sigo sendo pessimista nesse aspecto, até pelo programa do Kadima, que deve traçar o mapa de Israel de forma unilateral, quando vai devolver aos palestinos parte da Cisjordânia, mas vai anexar várias nesgas de terra, desfigurando completamente um possível estado palestino. Qualquer discussão deve partir das fronteiras anteriores a 1967, quando em 5 de junho houve a famosa Guerra dos Seis Dias. Vamos acompanhar esses desdobramentos, mas de qualquer forma, desejamos amplo sucesso ao governos de Ismail Haniye e, daqui de longe, terá nosso apoio.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor