“Uma Promessa”, às vésperas da serpente

A relação de proletário e burguesa e a antevisão da Alemanha na 1ª Guerra Mundial são tratados pelo cineasta francês Patrice Leconte neste drama romântico.

Numa época em que os bons dramas de época são raros, o cineasta francês Patrice Leconte (O Marido da Cabelereira, 1990) passeia por eles com leveza. Neste “Uma Promessa”, baseado em livro do escritor austríaco Stefan Zweig (1881/1942), ele foge às narrativas pontilhadas por encontros e subterfúgios para tratar da relação do jovem engenheiro Friedrich Zeitz (Richard Madden) com a burguesa Charlotte (Rebecca Hall). Paixão contida por razão e equilíbrio, sob os dúbios olhares do industrial Karl Hoffmeister (Alan Rickman).

O universo que Leconte constrói é o da grande burguesia alemã às vésperas da 1º Guerra Mundial. Mais voltado para a construção de seu império particular, Hoffmeister vive o dilema de expandir os negócios e não ter quem execute seus projetos. Encontra-o no jovem e eficiente Zeitz, criado num orfanato e formado em metalurgia. Sua chegada permite a Hoffmeister ampliar sua siderúrgica, enquanto seus problemas de saúde se agravavam e o país entrava em crise.

Este paralelo, traçado por Leconte e seu corroteirista Jérôme Tonnerre, chega ao espectador pelos jornais alemães, os fornos incandescentes da siderúrgica e a profusão de metalúrgicos entrando e saindo do trabalho. O clima de agitação interior de Hoffmeister é acentuado por seus rígidos horários, o modo como introduz Zeitz em seu castelo e o apresenta à companheira Charlotte, e seus espasmos e crises. E o jovem é o instrumento para aplacá-lo.

Zweig sintetiza a Alemanha de 1912

Há um paralelo entre a doença de Hoffmeister, a participação da Alemanha na 1ª Guerra Mundial e sua derrocada. Leconte está sempre voltado a esta contextualização, como se Zweig a consignasse em seu livro. A Alemanha naquela década tentava conter a expansão de seus rivais imperialistas, Inglaterra, França e Rússia, como discute o historiador inglês Christopher Clark em Os Sonâmbulos (*), mas acabou engendrando a Grande Guerra (1914/1918).

É neste contexto que Leconte desenvolve a relação amorosa Zeitz/Charlotte: eles estão submetidos às submersas motivações de Hoffmeister. Charlotte, mãe do garoto Otto (Toby Murray), é jovem, inteligente e dedicada ao companheiro, bem mais velho. E, diferente de Zeitz, não tem, aparentemente, outras ambições se não manter seu status. Enquanto ele se dedica ao trabalho na siderúrgica e a ela com paixão, afastando-se cada vez mais de seu passado.

Entretanto Charlotte, ao contrário de outra criação de Zweig, a frágil Lisa Brendi (Joan Fontaine, 1917/2013), de Carta de Uma Desconhecida (1948), não vive desamparada. Hoffmeister, além de lhe dedicar toda atenção, torna-a menos solitária ao abrigar Zeitz. O que segue é um jogo de aparências, de seduções e de mútua atração. Leconte evita que a paixão surgida dessas duplicidades redunde num melodrama, de janelas batendo, cortinas flanando, correrias pelo campo.

Leconte retira os adornos narrativos

O que interfere na relação Zeitz/Charlotte não são os supostos “ciúmes” de Hoffmeister ou o apego dela ao filho. São os interesses do Kaiser Guilherme II (1859/1941) e da burguesia alemã que irão penalizá-los ao desencadear a 1ª Guerra Mundial. Mesmo o recurso às cartas, velho clichê dos melodramas, não macula a narrativa. As revelações que surgem a cada sequência demonstra a capacidade de Leconte retirar os adornos e manter a ação com equilíbrio e realismo.

Não descura inclusive da crítica ao novo burguês Zeitz que usa a proletária Anna num cubículo, para depois trocá-la pela milionária Charlotte. É a face cruel da escalada social burguesa, da ascensão de uns e o cadafalso de muitos. É tocante o reencontro deles anos depois, quando ele vive no castelo dos Hoffmeister e ela o vê num belo automóvel. Tenta falar com ele e como é ignorada, xinga-o. O poder incluiu soterrar o passado, a amada e os amigos.

Mas Zeitz não é um personagem linear, destituído de complexidade. Frio, focado, aprendeu com Hoffmeister a estruturação dos negócios. A derrocada da Alemanha e da siderúrgica serviu-lhe de lição. Sua meticulosidade o fez aguardar o momento certo para reencontrar-se com Charlotte. Assim, Leconte descontrói as estruturações do drama romântico – a própria música de Gebriel Yared o ajuda, tornando o desfecho um anticlímax. Eles são cerebrais demais para o amor torrencial. Apenas se reencontram.

Não é filme para derramar lágrimas

Não é, portanto, um filme para derramar lágrimas, sim para refletir e ver que as construções amorosas dependem de fatores sociais, políticos, ideológicos. E não apenas da paixão. Os encontros de Zeitz/Charlotte não têm violinos ou acordes de piano. Contribui para sua densidade a fotografia de Eduardo Serra, em tons cinzentos, sombras, pouca luz. Assemelha-se ao fim de uma época e o princípio de outra ainda mais ameaçadora, dado que a derrota da Alemanha na 1ª Guerra Mundial, engendrou a ascensão do Nazismo.

Uma Promessa. (Journey into the past). Drama romântico. França/Bélgica. 2014. 99 minutos. Música: Gabriel Yared. Fotografia: Eduardo Serra. Roteiro: Jérôme Tonnerre/Patrice Leconte. Direção: Patrice Leconte. Elenco: Rebecca Hall, Alan Rickman, Richard Madden, Toby Murray.

(*) Clark, Christopher, Os Sonâmbulos, Como Eclodiu a Primeira Guerra Mundial, pág. 362, Companhia das Letras, 2014.

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