“O Último Concerto”, harmonia sob risco

Cineasta Yaron Zilberman usa ambição e paixão para tratar do delicado equilíbrio de quarteto de cordas ameaçado por disputa pelo poder

O microcosmo de um quarteto de cordas pode, por que não, refletir ambições, paixões, conflitos que engendrem a luta pelo poder. Ainda mais se forem reprimidos e diante de repentina ameaça emerjam com violência tal que o equilíbrio de 25 anos seja rompido. Com esta abordagem, o cineasta Yaron Zilberman, em seu filme de estreia, “O Último Concerto”, disseca ódios e rancores submersos em famoso quarteto de cordas estadunidense. Mostrando, assim, a frágil e sútil camada que os mantinham juntos.

Zilberman e seu corroteirista Seth Grossman usam a estrutura de concerto de câmara, do Quarteto de Cordas em Dó Sustenido Menor, Opus 131, de Beethoven (Ludwig van, 1770/1827), para mesclar dramas pessoais e música clássica. O andamento às vezes lento, às vezes rápido, centrado mais nos atores do que na trama, evita que o desfecho possa ser, de antemão, antevisto. Daí ser uma peça em Dó Sustenido Menor, marcada pelos estados psicológicos dos personagens.

Isto se percebe ao longo da narrativa, a partir do momento em que o integrante mais velho do Quarteto Fuga, Peter Mitchell (Christopher Walker) não consegue mais acompanhar o ritmo dos demais. O espectador então se dá conta da função de cada instrumento: do primeiro violino, que toca as notas mais altas, demarcando o ritmo dos demais, do segundo violino que executa as notas mais graves, da viola e do violoncelo que os acompanham. E a necessidade de cada músico manter a harmonia exigida.

Quarteto tem frágil equilíbrio

Enquanto Mitchell não revela que tem o Mal de Parkinson, o equilíbrio continua, mas basta que a doença exija seu afastamento para o que foi reprimido por 25 anos emerja. É como se o jarro precioso mostrasse suas trincas e um dos músicos tivesse de evitar que elas virassem cacos. No caso o primeiro violino Daniel Lerner (Mark Evanir), o segundo violino Robert Gelbart (Philip Seymour Hoffman) e da violeira Juliette Gelbart (Catherine Keener), que logo entra na disputa por razões amorosas.

Zilberman tece, a partir daí, vários entrechos oscilando entre aspirações represadas, crise conjugal, rancores, atestando o quanto o Quarteto Fuga reflete o microcosmo da estrutura de poder maior. A ambição de Robert é ser primeiro violino por ele ditar o ritmo dos demais, de Daniel manter sua posição, de Juliette vingar-se da traição do companheiro. Devagar, eles veem que o alto conceito que achavam ter conquistado do outro é verdadeira quimera.

Principalmente para Robert que se tem em alta conta. Ser o primeiro violino iria coroar uma carreira de sucesso no quarteto e o elevaria a outro patamar como músico. Ele, no entanto, encontra um adversário à altura. Daniel é perfeccionista, dedicado, estudioso, capaz de estocadas e lances ousados para manter sua posição. Dentre elas, não evitar, inclusive, uma relação com a filha do casal Gelbart: a bela Alex (Imogen Poots). Tem-se, assim, a disputa de poder num quarteto de cordas, ao modo corporativo.

Intrigas beiram às das corporações

Difícil não entrar em choque direto com o adversário, ainda que ponha em risco a sobrevivência do grupo. Como numa disputa fraticida, cada um deles busca um aliado para derrubar o outro. Caso de Daniel se unindo a Juliette, e dela se amparando nele para vingar-se de Robert. Mas, por ter o núcleo poucas opções, têm que conquistar a quarta peça para garantir a vitória. É quando a intervenção de Mitchell se torna decisiva e ele se torna o ponto de equilíbrio do fragilizado quarteto.

Sua leitura da disputa pelo poder no quarteto é a de um estrategista que procura recompor as peças e substituir a deficiente sem causar trauma ou nova disputa pela liderança. Suas articulações o levam a negociações com outro quarteto, com os próprios membros do Fuga e, por último, para desarticular as armações de Daniel. É através de Mitchell que Zilberman reforça a narrativa com diversos fios sem perder o tema central: a sobrevivência do quarteto, sem desviar-se da Opus 131, de Beethoven.

Seu filme é uma peça em vários movimentos, como num concerto de cordas, que pode variar de instrumentos, incluindo piano ou vilão. O próprio Beethoven fugiu a este modelo, inovando em seus 16 concertos para cordas. Zilberman, usando a música de Angelo Badalamenti, transforma num movimento o conflito individual de cada integrante do quarteto. Todos de alta tensão, sem pausa para lento andamento. Salvo os de Mitchell, com seus solos de aula, de exercícios físicos, de articulações individuais.

Filme para os atores brilharem

Zilberman alterna ainda sequências em espaços fechados, de ensaios e concertos, com abertos, em parques e ruas, equilibrando a narrativa. Sem muitos planos fechados, psicológicos à Ingmar Bergman (1918/2007), em Sonata de Outono (1978), dando ao filme unicidade. Mas sobretudo deixa os atores brilharem, em solos ou planos de conjunto. Num filme cujo centro é aparentemente a música clássica, mostra ao espectador a complexidade dos personagens e do tema. E todos brilham.

O Último Concerto. (A Late Quartet). Drama. EUA. 2012. 105 minutos. Trilha Sonora: Angelo Badalament. Fotografia: Frederick Elmes. Roteiro: Yaron Zilberman/Seth Grossman. Direção: Yaron Zilberman. Elenco: Philip Seymor Horffman, Christopher Walker, Catherine Keener, Mark Evanir, Imogen Poots.

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