Considerações acerca de uma carta compromisso

Fiz uma breve leitura no documento intitulado Carta compromisso com as instituições públicas de ensino superior. Divulgado na última segunda-feira, a intenção do candidato Aécio Neves (PSDB) é estabelecer um diálogo programático com os setores que compõem a universidade pública brasileira.

Como todo o documento elaborado por um candidato a cargo público, o texto apresenta muitas generalizações e adjetivos. Tipo: “Em uma sociedade como a brasileira, os ideais de transformação, de excelência, de inovação, de inclusão e de equidade, que orientam e norteiam as ações de nossas instituições públicas de ensino superior, são imprescindíveis à construção de um projeto nacional de desenvolvimento social e econômico sustentável.” Se bater em um liquidificador, não enche um copo de suco.

Contudo, fiquei com a impressão de que quem escreveu esse documento conhece a realidade da universidade pública brasileira. Em certa parte, a Carta reconhece os avanços ocorridos nas federais nos últimos anos. Só não tenho certeza se o candidato Aécio Neves tem conhecimento de que 54, dos 58 reitores das universidades federais, já declararam o voto para Dilma (PT).

Observando as ideias apresentadas na Carta, destaco algumas.

O primeiro registro diz respeito à expansão da oferta. O candidato propõe que as universidades federais e estaduais acelerem, de forma qualificada, a expansão. De igual modo, enfatiza o caráter público das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), cabendo ao Estado (União, estado, município ou todos juntos?) a tarefa de cumprir tal desígnio.

No entanto, quando aborda o financiamento, o documento cita que o postulante ao Palácio do Planalto tomará decisões arrojadas para que os recursos previstos no PNE sejam alcançados. Para tanto, estabelece que o setor público se envolva com o privado.

A Carta diz que os recursos provenientes do Pré-Sal não garantem a qualidade na educação, o que requer uma articulação produtiva e solidária com os estados e municípios. Confesso que não entendi. A impressão que tive é a de que a União, em pareceria com estados e municípios, irá trabalhar para garantir a qualidade no ensino superior. Só não sei o que motiva o candidato Aécio Neves a compartilhar esta responsabilidade com os demais entes da federação. Além disso, o documento não apresenta pistas do que ele entende por qualidade no ensino.

Outro aspecto que chamou a minha atenção foi o fato de o candidato afirmar que irá apoiar as instituições de ensino superior estaduais e municipais com o aporte de recursos da União. A princípio não vejo nenhum problema, mas não sei o motivo de tanta preocupação com a rede estadual e municipal de ensino superior já que boa parte delas cobra mensalidade e o número de matriculados tem diminuído a cada ano. Confesso que fiquei com a impressão de que o candidato é simpático a expansão da rede estadual e municipal de ensino superior.

O quarto refere-se à avaliação. A Carta enumera que a avaliação das IFES deve superar a expansão precária, como também garantir a sustentabilidade com qualidade. O que significa isso? Confesso que tentei decifrar, mas não consegui. O documento está assumindo que a expansão ocorrida foi de forma forma precária? Como assim, se aumentou o número de docentes doutores, de programas de pós-graduação nas IFES e a participação do Brasil na produção científica mundial? E que sustentabilidade é esta? Haverá algum incentivo financeiro para a IFES que for bem avaliada? A experiência neoliberal registra que a avaliação e o financiamento caminham juntos, na qual há a premiação para as instituições que forem bem avaliadas.

Há outras questões que quero realçar.

A experiência do governo FHC não foi boa para o ensino superior. Através do discurso da autonomia universitária, o então Ministro da Educação Paulo Renato visou garantir autonomia administrativa para as IFES, mas o projeto não estipulava a garantia de recursos da União para as universidades federais.

Já a proposta para o CsF apresenta um grande equívoco. Atualmente, este programa tem como foco as áreas de tecnologia, engenharias, biomédicas e fármacos. A ideia é capacitar os estudantes que irão atuar nestes setores da economia, visando à formação de recursos humanos capacitados para desenvolver estas áreas no país. Pois bem, atendendo a um setor descontente, a proposta do candidato pretende incluir as áreas de Humanidades e de Artes no CsF. Essa medida desconfigurará totalmente o programa. Será um modelo de bolsa similar aos já existentes (bolsa CAPES e CNPq). Outra questão é que todo o processo seletivo do CsF se dá através do portal do programa. Segundo a Carta, o processo seletivo será realizado na própria universidade. A proposta não menciona qual será o critério de distribuição destas bolsas.

Agora, o que mais chamou a minha atenção foi o fato de a Carta compromisso com as instituições públicas de ensino superior não garantir a gratuidade nas universidades federais. Essa questão fica mais preocupante quando o documento diz que o candidato garantirá a assistência estudantil através do FIES e do PROUNI. FIES? PROUNI? Como assim? Pelo que sei, estes programas são utilizados para financiar a mensalidade dos estudantes em universidades/faculdades particular. Pior. O documento não cita o Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) como política para manter os estudantes de baixa-renda nas universidades públicas.

Outra grande ausência no documento tucano é a o tema da internacionalização da universidade pública brasileira. Em uma época marcada pela globalização, a falta de um posicionamento nítido para a universidade neste novo cenário é, no mínimo, preocupante.

Por fim, a Carta não menciona nada sobre o acesso ao ensino superior, muito menos aborda a política de cotas sociais e raciais. A preocupação se manifesta quando o programa do candidato Aécio diz que irá reformular o ENEM. De igual modo, o DEM, aliado histórico do PSDB, foi o partido que entrou com uma ação no STF contra a implantação da política de cotas raciais no Brasil. Nestas horas a imaginação ganha asas.

Enfim, a ciência política nos ensina que a experiência e a prática são dois componentes importantes para qualquer análise decente. O futuro é incerto e as palavras podem ser transformadas em pó, mas quem viveu o período que o país foi governado pelo PSDB sabe muito bem o que significa as belas palavras dos neoliberais tupiniquins.

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