“Tudo Acontece em Nova York”, entre a dignidade e o sonho

A luta de dois jovens artistas para forjar seu espaço fora do sistema mercadológico é o tema deste filme de dupla francesa Bessis/Amar

Para começar, este não é um filme de espaços luxuosos e personagens glamorosos, para magnificar o já poderoso marketing da Grande Maçã. É tão só uma metáfora sobre dois pequenos peixes sobrevivendo na megalópole-oceano. Eles são os jovens Lilás Le Castillon (Lola Bessis) e Leeward (Dustin Gay Defa). A dupla de cineastas franceses Lola Bessis e Ruben Amar mostra neste “Tudo Acontece em Nova York” que os sonhos deles é ultrapassar o pequeno aquário de suas opções.

Além de ir contra a estrutura capitalista que a tudo transforma em produto, Bessis/Amar ousa apontar saídas. Seu tema central é a tentativa de Lilás exibir uma mostra de sua vídeoarte e do músico Leeward ter uma carreira independente, fora das estruturas mercadológicas da indústria do disco estadunidense. Ao redor deles são formados vários núcleos dramáticos, levando o espectador a captar suas tendências.

O universo de Lilás é o das artes plásticas, das galerias de arte, onde pretende ser aceita como video artista. Justo onde a mãe François (Anne Consigne) não vê futuro para ela, dada às imposições do próprio mercado. Sua vídeoarte está longe das criações da mãe, famosa artista plástica. Ela ainda tem muito a evoluir. E terá de adaptar-se ou buscar outra atividade.

Iniciantes lutam pela aceitação

Não menos complexo é o universo de Leeward. Casado com Mary (Brooke Bloom), pai de Maggie (Olívia Durling Costello), de cinco anos, ele já tem a sua banda, porém nunca gravou CD. Seu apartamento é uma espécie de albergue em que não só ensaia, como abriga a afrodescendente, dona de bar, Shiraz (Makeda Declet) e a esperançosa Lilás. Sua luta acaba sendo dupla, pois divide com a francesa suas esperanças e é solidário com os outros.

A dupla Bessis/Amar montou os entrechos de maneira a ficarem claras as barreiras familiares impostas a Lilás e a Leeward. As dela são a mãe, as dele a companheira Mary. Prática, independente, ela sustenta a família, aceita as liberalidades dele e o instiga a entrar na estrutura mercadológica. Nem François nem Mary consideram as ideias deles. Vem daí o conflito entre a urgência da maturidade para um e a autonomia financeira para o outro. Ou seja aderir às imposições do sistema capitalista ou ficar à margem dele.

As complicações se multiplicam à medida que Lilás tateia o circuito das galerias. Estas querem o já pronto para a aceitação de seu público, onde hoje giram milhões de dólares. Suas criações são perspectivas de futuro, longe do que o galerista espera da filha de François Le Castillon. Existe assim a sombra da mãe e a frustração do curador por ela estar em formação. As imagens da vídeoarte da mãe, a presença dos jornalistas e do público a situam no indefinido espaço dos iniciantes, projetos de futuro indefinido.

Avó ajuda Leeward a fugir das imposições

Com Leeward o tratamento dado pela dupla Bessis/Amar é mais amplo, complexo, pois, judeu, ele deve seguir o ritual religioso e fugir ao controle de Mary. Na longa sequência do sabbath, a câmera se detém nos personagens, detalha relações familiares e os núcleos de influência. Rende hilariantes situações. Ao invés do tradicional, do impositivo, há leveza, frescor e inconformismo. A idosa avó se insurge contra a posição de Mary e ajuda-o a escapar ao uso de sua música para fins consumista na mídia.

Se o tema central se divide em dois núcleos, com o de Lilás abordando o conflito mãe/filha, o de Leeward discute a opção do músico pelo alternativo, independente. Uma perspectiva de Bessis/Amar para o artista que busca liberdade criativa e controle do uso de sua criação. A forma como ele o faz é criativa. Distribui o CD ao público nas ruas, em marketing direto, garantindo a circulação da música e tornando conhecida sua banda. Nas etapas seguintes serão shows e venda direta do disco.

São raros os filmes hoje que questionam a estrutura das gravadoras, mídia burguesa e lojas de discos. Isto em meio às alternativas de baixar música na internet ou copiar em CD e DVD. Resta ao artista casar o show com a venda direta dos discos e a tradicional venda nas lojas. O leque se abriu de tal forma que buscar o próprio caminho é uma audácia e tanto. Leeward o faz na sequência que configura esta transição, abrindo caminhos para músicos e aficionados.

Bessis/Amar capta clima de Nova York

Para terminar, a Nova York de Bessis/Amar não é, assim, a terra das oportunidades, como já mostrou o francês Cédric Klapish em seu O Enigma Chinês (2013). Shiraz dorme na sala de Leeward, por não ter condições de alugar apartamento. Seu bar mal a sustenta. A câmara de Bessis/Amar flagra o cotidiano dos transeuntes nos bairros classe média baixa, as lojas comuns e o exercício feito por Leeward para presentear Maggie, devido à falta de dinheiro. Enquanto Mary sonha com uma casa maior, para criar a filha. Não se trata só de crise neoliberal, criada pelos próprios EUA, é reflexo de uma sociedade desigual.

Tudo Acontece em Nova York. (Swim Little Fish Swim). Drama. França/EUA. 2012. 100 minutos. Música: The Toys And Tiny Instruments, Candace Lee, Denn Sultano. Montagem: Thomas Marchand. Fotografia: Brett Jutkiewics. Roteiro/direção: Lola Bessis/Ruben Amar. Elenco: Dustin Gay Defa, Lola Bessis, Brooke Bloom, Olivia Durling Costelo, Anne Consigny.



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