“De Menor”, fora do estigma

Em filme sobre adolescente infrator, cineasta brasileiro Caru Alves de Souza mostra que o problema atinge menor branco e de classe média

Na primeira parte deste “De Menor”, o diretor estreante Caru Alves de Souza e seu corroteirista Fábio Meira deixam o espectador sem informações sobre os personagens. Não se sabe o tipo de relações que mantém. Se são amantes em descompasso de idade, ou se apenas vivem no mesmo espaço. Isto torna a abertura misteriosa, levando o espectador a atentar para o desenrolar da narrativa, sem ter dados suficientes. E é eficaz, pelo modo de contar a história visualmente.

Numa praia santista, quase deserta, Helena (Rita Batata) caminha a esmo, configurando longo flashback a ser retomado adiante. Estas sequências refletem os impasses da jovem defensora pública às voltas com o adolescente Caio (Giovanni Gallo), sem chances de ajudá-lo, pois implicaria em se envolver com os problemas por ele criados. Assim, Caru de Souza vai montando este denso drama sobre a juventude brasileira atual, desconstruindo preconceitos raciais e de classe social.

Ele pega não só os afrodescendentes, sobre os quais recaem todo tipo de estigma por viverem em aglomerados e serem filhos de trabalhadores, mas também o branco e loiro Caio, de classe média e bom padrão de vida. E ajuda a desmistificar a sanha da “mídia mundo cão” e o preconceito da burguesia e da classe média brasileira. É disto que trata a segunda parte do filme: a narrativa da convivência Helena/Caio para matizar o trabalho dela como defensora pública em Santos.

Existe mecânico ritual no fórum

É quando menores envolvidos em todo tipo de infração na Vara de Menores, a levam a contrapor-se ao rigoroso promotor (Rui Ricardo Diaz) e ao não menos rígido juiz (Caco Ciocler). Existe na ação deles um ritual legal, com citações da lei e da necessidade de reeducar o menor e proteger a sociedade. É como se cada um deles seguisse o roteiro, sem avançar para além dele. Mesmo se estão diante de menores afrodescendentes, ou não, sem chances de defesa.

Contribui para esta visão a maneira como Caru de Souza enquadra-os, em planos aproximados, sem abrir para situar o espaço da ação. O trabalho deles se torna repetitivo, uma fórmula a ser aplicada indistintamente, sem avaliar a eficácia da lei, a justeza de sua aplicação e se a instituição de execução da pena está preparada para reinserir os menores na sociedade que os excluiu. Eles se tornam operadores da lei, ou seja executores da Justiça burguesa.

No rápido diálogo entre eles, tendo o afrodescendente Mateus, como réu, isto se evidencia. O juiz indaga-lhe sobre a tatuagem a ocupar todo seu braço, ele lhe responde, assim como as perguntas do promotor e de Helena. Ele está ali por roubo. Surge então a tipificação de seu crime, mas também o duplo drama da maioria deles: família desestruturada, fuga da escola, busca de facilidades para adquirir bens de consumo. É onde surge o trabalho de Helena e seu interesse para além do ritual legal.

Existe ainda o drama familiar

Duas sequência bem o traduzem: seu encontro com a mãe de Mateus e desta com o filho. Valem mais do que milhares de teses e teorias sóciojurídicas. A mãe lavadeira não ganha o suficiente para sustentar o filho, abandonado pelo pai, mas o aceita de volta. Surge então o outro lado do drama vivido pelos adolescentes infratores: o de sua família. Ela também requer inserção social para cuidar do filho, longe do estigma e da perseguição por ser afrodescendente e pobre.

Este termina sendo, na verdade, o quarto fio deste “De Menor”: 1º – a exclusão social; 2º – o drama do menor infrator; 3º – a visão mecânica da Justiça; 4º – o drama da família. Justo o vivido por Helena com Caio. Lhe cabe vê-lo como réu e irmão. O espectador pode indagar se ela, mesmo sendo defensora pública, tem estrutura psicológica para ajudá-lo. Esta é a terceira parte do filme. “Será que a senhora não vê?”, questiona-lhe a delegada, diante de suas negativas em aceitá-lo como infrator.

É como ficar diante de uma parede de aço maciço, cujo som não reverbera. Seu arcabouço legal, para buscar atenuantes para outros menores, são insuficientes para arrancá-lo de supostas facilidades. Ela não tem respostas às evidências: o dinheiro, as testemunhas e a arma. A câmera de Caru de Souza flagra-a em instantes de pânico, de desamparo. E retorna ao preâmbulo, em sua caminhada pela praia e, depois, solitária, em completa agonia. Não é só Caio que precisa de amparo, ela também.

Falta de opções levam ao crime

Inexiste neste “De Menor” amplos espaços, inserção dos personagens para além de seu meio. Toda a ação transcorre entre quatro paredes, com raras externas, configurando a opção dos cineastas paulistas para traduzir as angústia e os impasses vividos pelos habitantes da megalópole (Veja “Hoje”, de Tata Amaral, 2011). De qualquer modo, ajuda a compreender a falta de opões oferecidas a eles por uma sociedade cada vez mais consumista. Assim, os jovens tentam, de revólver na mão, inserir-se neste excludente “modo de vida”.

De Menor”. Drama. Brasil. 2013. 77 minutos. Trilha sonora: Tatá Aeroplano, Júnior Boca. Montagem: Willen Dias. Fotografia: Jacob Solitrenick. Roteiro: Caru Alves de Souza/ Fábio Dias. Direção: Caru Alves de Souza. Elenco: Rita Batata, Caco Ciocler, Rui Ricardo Diaz, Giovanni Gallo.


(* Melhor Filme – Festival do Rio de Janeiro 2013.)

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