Democracia, participação e cultura (parte 3)

O entendimento sobre as relações entre população, Estado e regimes de governo se desenvolveu junto com a filosofia e o entendimento do homem como animal político. 

Para além dos valores originais atribuídos pela filosofia grega, as democracias avançaram rumo aos interesses daqueles que participavam da elaboração das leis e dos interesses econômicos e políticos no interior das nações, portanto, dentro dos moldes estabelecidos pelas elites, convertendo-se em poder capaz de controlar os imperadores e aplacar a fúria do povo.

Diante desse objetivo das oligarquias mais próximas ao poder, maiores interessadas na estabilidade política, moldaram-se ao longo da história três grandes tradições do conceito de democracia: a teoria clássica aristotélica das três formas de governo, democracia, monarquia e oligarquia; a soberania popular de origem romana, na qual se acredita que a população é quem delega o poder ao imperador; e a teoria moderna de Maquiavel que divide-se em apenas duas formas, a Monarquia e a República, sendo a segunda nada mais do que a democracia dos antigos, tal qual a aristocracia, que são formas de repúblicas (BOBBIO, 2007. p. 319-320). Esses conceitos carregam valores chave das relações de poder no ocidente, sendo adaptados ao longo do tempo, portanto um conceito em movimento.

Por mais de dois milênios de estudos da política ocidental da qual a humanidade tem acesso, a democracia seguiu sendo considerada como de forma de governo degenerada. Somente na era medieval com as ideias de Juliano, Ulpiano e no começo da era Moderna, com Marsílio de Pádua, a democracia passa a ganhar algum valor positivo, com o conceito de soberania popular. Neste regime os titulares do poder seriam as massas, que a concedem ao príncipe para o exercício do poder executivo. Com base nesta crença os princípios democráticos foram mantidos nas expectativas do povo ao longo da história, avançando em algum sentido, não obstante sua corrupção pratica (BOBBIO, 2007. p.321).

Junto ao início da modernidade, com o iluminismo surgem a valorização da livre iniciativa e da liberdade individual, atualizando valores políticos e econômicos que passam a ser considerados um direito natural. Nesse período da história, a literatura sugere uma temática sobre os limites entre o suposto direito natural dos homens, a liberdade e direitos individuais com as exigências da vida em comunidade (MARCONDES, 1997, p. 196-197).

A “soberania popular”, ou titularidade popular do poder do Estado, reconhece a diferença entre titularidade (povo) e o exercício do poder (governante), e não está baseada na expectativa de que exista algum acordo entre Estado e População, portanto não deve ser confundida com a noção de contratualismo de Hobbes, Locke e Rousseau, que pode ser inclusive antidemocrático, ao menos nas ideias de Hobbes e Kant.

Maquiavel e Hobbes inauguram a perspectiva moderna da análise fria das relações do Estado como elas realmente são: brutais, egoístas, violentas, duais e controversas. Hobbes foi o responsável pela supressão teórica da distinção entre formas puras e corruptas de regimes de governo, pela impossibilidade de definição de critérios de uso e abuso de poder, portanto do “governo bom” e do “governo mau”. Enquanto os iluministas renovaram utopicamente as esperanças no espírito democrático tentando conciliação entre soberania popular, poder do Estado e direitos e deveres individuais, outras questões surgiram, como o sufrágio universal, a noção de igualdade e a luta contra a exploração do trabalho, contradições que nos perseguem desde então.

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