Algumas palavras sobre cultura e política (parte 8)

Em meio a milhares de causas justas, parte substancial das manifestações brasileiras caiu literalmente em uma armadilha. Não apenas passaram por viadutos, ruas escuras e praças rodeadas por policiais que os esperavam, como seguiram por discursos que eram verdadeiras emboscadas. De seus sofás ou nas ruas, acreditavam enfrentar as forças do Estado, sem saber de fato que forças estavam operando nos bastidores.

O que alguns passam a perceber na tal fissura na estrutura, uma espécie de Estado de exceção, é que se trata de um golpe branco no interior da cidadania que passa a ser cada vez mais restrita. Mas tal fissura não esteve sempre lá, atormentando a maioria da população? O que temos como novidade é que se nem 10% ou 20% da população tinham acesso aos benefícios de um estado democrático, estes estão perdendo também seus direitos:
“O estado de exceção é um princípio interno do direito, um limiar que pode contrair ou dilatar, em função das forças políticas. O direito estatal, para ser eficaz, precisa de uma situação de normalidade que determina a medida do justo/injusto, do punível/não-punível e, no limite, de vida/morte” (CAVA, 2014).

A dor revelada pelos intelectuais, ao constatarem que as classes médias apoiaram o neoliberalismo, é que não existe pote de ouro no fim do arco íris. Esse foi o alerta dado, de que plutocracia global estava dando um golpe (ŽIŽEK, 2011), consolidando o caos provocado pela nova ordem mundial e suas inconsequentes desestruturações da (in) sustentabilidade econômica, política, biopolítica, ambiental (Agamben; Bauman; Chomsky; Foucault; Žižek). A rasgadura gerada no tecido social que ameaça as zonas periféricas (ainda que algumas destas zonas sejam internas as centrais) revela as falhas de um sistema que sempre foi imperfeito. O golpe da plutocracia global, como vem sendo descrito, força os sistemas ao paradigma de “democracias totalitárias” (HARVEY, 2014), ou aquilo que vem sendo chamado de ampliação do Estado de exceção permanente (AGAMBEN, 2013). O resultado deste novo regime global é que apenas 1% passam a ter a exclusividade de viverem em ilhas de democracias plenas (sem regras). Onde os outros 99% estão sendo jogados dentro de "supostas" democracias, que no direito se expressam no papel, mas na prática não existem. Como afirmou Agamben, não estão assegurados os direitos sociais, devido a administração permanente de crises, ou transformação de regime de exceção em única regra.

O tal regime de Estado de exceção chegou ao Brasil não atingindo as classes altas, mas foi ouvido quando a gritaria abalou todos os bairros de classe média que entenderam que estão sendo empurrados a subclasses econômicas. Levantaram-se de seus sofás para as ruas. A gritaria só não veio antes por não terem sentido a onda chegar. Se no governo Lula ocorreu aquecimento interno devido aos programas sociais, e com Dilma se criou o banco dos BRICS, existem sérios questionamentos se estas medidas serão suficientes para deter o movimento global. A reação negativa das nações da zona do Euro, mais EUA e aliados demonstram o desespero destes diante do rearranjo da geopolítica global, diante da falência do atual estágio do capitalismo. A opressão vinda do capital contra os regimes democráticos vem se revelando em sua expressão política com selvageria corporativa, terrorismo midiático, especulação predatória, produção parasita e planejamento “psicopata”. As grandes marcas mundiais não podem mais ser vistas como empresas, mas como grupos políticos, ideológicos que mantém seus exércitos instalados em mais de 100 guerras simultâneas no mundo desde o começo deste século. O próprio espectro das forças das multinacionais, por sobre os interesses nacionais (Bauman), ficam evidentes na criação de acordos comerciais (Chomsky) que envolvem a criação de tribunais internacionais, e legislações transnacionais, onde: “direitos autorais, a liberdade na Internet e publicação na web também seria destruído pelo TPP, e, embora não tenha sido amplamente divulgado, o TPP daria os poderes de vigilância do governo mundial” (Joe Wolverton, II, J.D. Mainstream Media Silent on Dangerous Trans-Pacific Partnership. 11 de fevereiro de 2014).

O que, segundo William Jasper (The New American), resultaria na participação das grandes empresas nas decisões em detrimento da sociedade civil. O TPP, “para estes globalistas e seus pactos comerciais”, seria uma ferramenta “de alargamento e aprofundamento incansável, constantemente erosão da soberania nacional”. O golpe global se consolida com a última crise mundial, onde as forças especulativas roubaram o mundo em 2009/2010, livrando os banqueiros e transferindo a dívida global para os cidadãos.

O terrorismo do sistema financeiro internacional pode ser entendido nas partes que explicam o todo (fato social total), a exemplo da ação do banco Santander que enviou uma carta chantagista aos seus clientes brasileiros procurando manipular o processo democrático, sugerindo que a queda da presidente elevaria a bolsa de valores (LEBLON, 2014). Bem como, na ação da consultoria Empiricus “especialista” em bolsas que, se valendo do mesmo material da Porter Stansberry, prepararam um boato, com fins de especulação, através de um vídeo com título original chamado “End of America” (STANSBERRY, 1999), por aqui o "fim do Brasil". A tal consultoria publicou um relatório com clima apocalíptico, orientando a sociedade às práticas de evasão de divisas, compra de dólar, venda de ações de empresas estatais, e derruba do governo. Parte da estratégia da operação “Tempestade Perfeita” pretende atingir, é justamente a derrubada do mercado e instalação do caos através de "terrorismo econômico" promovido pelos especuladores internacionais (247, 2014). Grave ainda a oposição ter seu nome envolvido nisso, na tática do quanto pior para a nação, melhor! (Jornal GGN, 2014).

Especulações em mercados não são novidade alguma. Ocorre que o capital produtivo, que migrou para o especulativo, decidiu assumir sua face política, de novos comandantes do mundo. De corsários, que roubavam outras nações em favor da rainha, passaram a agir por si, como piratas migram de nação em nação pilhando. Até que a força dessas organizações (assim como os Templários no século XIII), com enorme força econômica, exigiram sua nova posição. Neste caso o fim das fronteiras, sugestionando que neste momento ocorre a tomada de poder da plutocracia global, que assume papel de comando, para além dos poderes e fronteiras nacionais.

Este golpe branco global procura impor maiores restrições aos bens públicos, direitos humanos, imigrações, trabalho, salário, educação, cultura, meio ambiente, moradia e crédito em todo mundo. Sendo a causa dos levantes, fica evidente quem são os atingidos, bem como os responsáveis pelo passivo que muitas vezes também é quem faz o agenciamento dos agitadores.

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